terça-feira, outubro 21, 2014

Treta da semana (passada): striptease

Marinho e Pinto decidiu revelar publicamente quanto recebe do Parlamento Europeu (1). Poupou assim aos portugueses o trabalho de ler isto no site do Parlamento (2). Infelizmente, esqueceu-se de que esse subsídio não devia ser só para ele meter ao bolso (3) e também não aproveitou para divulgar quanto recebeu quando era Bastonário da Ordem dos Advogados, que sempre teria mais interesse por não ser já informação pública (4). Mas a ideia subjacente, que muitos partilham, é a de que pagamos demais aos políticos e que oito mil euros de subsídio mensal para um deputado do Parlamento Europeu é demais. Proponho que isso é treta. Primeiro, organizemos as peças do puzzle. 

O Orçamento do Estado para 2015 prevê uma carga fiscal de 37% do PIB. É um «máximo histórico»(5) que, ainda assim, fica aquém dos 49% da Dinamarca, 45% da Suécia, ou dos 40% da Alemanha (6). Mais relevante é a diferença entre a carga fiscal e o IVA. Em Portugal é de 14%, de 37% para 23%. Na Dinamarca é de 24% (49%-25%). Na Alemanha é de 21% (40%-19%), e na Suécia é de 20% (7). Isto é importante porque o IVA, além de ser a categoria fiscal mais importante (8), é regressivo. Quem ganha pouco tem de gastar tudo e acaba por pagar mais IVA, em proporção ao que ganha, do que pessoas que ganham mais e que usam apenas parte do rendimento no consumo. Assim, com uma diferença pequena entre os impostos regressivos e a carga fiscal média, aliada ao grande peso dos impostos regressivos, o Estado agrava as desigualdades económicas. Junta-se os cortes nas prestações sociais e o resultado é que enquanto aumenta em dez mil o número de milionários (9) aumenta também a pobreza e o poder de compra de quem ganha o ordenado mínimo cai abaixo dos níveis de 1974 (10). 

A ideia de que isto é uma austeridade inevitável não encaixa no puzzle. Quando o Conselho Superior do GES viu que era preciso tapar um buraco de 750 milhões de euros, a família Espírito Santo “pôs o Moedas a funcionar”, telefonando ao secretário de Estado e comissário europeu para que este os ajudasse a convencer a Caixa Geral de Depósitos a emprestar o nosso dinheiro ao GES. Desta vez falhou, e é por isso que sabemos que aconteceu mas, pela conversa, não parece ser raro que estas pessoas resolvam os seus problemas desta maneira (11). 

Segundo as estatísticas do Ministério das Finanças para 2012, o sector financeiro pagou um total de 716 milhões de euros em IRC (12). O imposto anual sobre os lucros de toda a banca e seguradoras nem chega ao que o Ricardo Salgado queria que “o Moedas” lhe desenrascasse. É quase vinte vezes menor que o imposto sobre os rendimentos dos trabalhadores, equivalendo ao IRS colectado às pessoas com menos de €1350 de rendimento mensal bruto (13). É também metade do imposto sobre o tabaco. Isto merece ser repetido: o imposto sobre o lucro de todo o sector financeiro e de seguros em Portugal é metade do que se cobra pelo tabaco. 

Isto já começa a dar uma ideia do que se passa. A facilidade com que os salgados põem os moedas a funcionar leva a políticas do Estado que favorecem quem tem dinheiro em detrimento de quem não pode telefonar ao Secretário de Estado do Primeiro Ministro para pedir 750 milhões de euros à CGD. Uma das razões para o défice que sistematicamente temos é que, ao contrário de quem vive da mão para a boca, quem tem muito dinheiro pode pressionar, negociar e fugir dos impostos. A esses, o Estado acaba por pedir dinheiro emprestado em vez de os obrigar a contribuir com o que devem. E ainda falta outra peça. 

O BES custou 4.4 mil milhões de euros ao Estado. Dizem que se vai recuperar o dinheiro, mas o BPN também começou por ser “apenas” 1.8 mil milhões e já vai em 3.4 mil milhões, só contando com o que já está mesmo oficialmente perdido, valor que só tende a crescer (14). Outra sangria do Estado é a privatização de empresas públicas que, formalmente ou na prática, são monopólios. Uma vez sob controlo privado, este património é depois desfeito em dividendos até restar apenas uma fracção do inicial (15). Enquanto o Estado controlou a PT, entre 2000 e 2011, o valor de cada acção rondou os €10. Em 3 anos de saque a gestão privada fez o valor da empresa cair para 1.2€ por acção. Só cerca de 1€ desta queda se deveu ao buraco no GES (16). O resto foi, essencialmente, repartido em dividendos. 

Oito mil euros por mês para pagar o trabalho que um deputado faz pode parecer muito. Mas não estamos a pagar só para fazerem. Estamos a licitar para que não nos prejudiquem fazendo favores a terceiros que pagam mais. Poupar nisso pode sair muito caro. A intuição que nos diz que oito mil euros é muito falha nos milhares de milhões, um número totalmente fora da nossa experiência. Mas só o que o Estado já gastou oficialmente com o BPN dava para pagar o salário do Marinho e Pinto durante trinta mil anos ou pagar cinquenta anos de despesas da Assembleia da República. Se somarmos a isso a PT, os CTT, a EDP, o BES, submarinos e Pandur, mais PPP, cortes no IRC, cortes no Estado e a forma como os impostos dos ricos são calculados, é evidente que o striptease de que precisamos não é para ver os salários dos deputados ou as cuecas do Marinho e Pinto. É para tirarmos o barrete. 

1- Partido Democrático Republicano, Parlamento Europeu
2- Parlamento Europeu, Deputados (ver em Subsídios e Abonos).
3- iol, «Se o Dr. Marinho Pinto fica com o dinheiro é com ele»
4- Económico, O striptease de Marinho e Pinto.
5- Publico, Carga fiscal atingirá novo máximo histórico em 2015
6- Wikipedia, List of countries by tax revenue as percentage of GDP
7- EC, VAT Rates
8- Segundo prevê o OE de 2015, 14.5 mil milhões de IVA, seguido de 13.2 mil milhões de IRS, com todas as outras categorias muito abaixo disto: DGO, Política Orçamental
9- Jornal de Notícias, País tem mais 10 mil milionários
10- Pagina 1, Mais pobres e a ganhar menos do que em 1974.
11- Observador, José Manuel Espírito Santo: “Eu punha já o Moedas a funcionar”
12- Portal das Finanças, Estatísticas - Imposto sobre o Rendimento, IRC, declarações mod.22, quadro 30.
13- Até ao escalão de €19000 por ano de rendimento bruto, assumindo pago em 14 vezes: Total da Modelo 3 - IRS - valores liquidados
14- Jornal de Negócios, Cinco anos após a nacionalização do BPN os custos ainda estão por apurar
15- Por exemplo: EDP distribui 676 milhões em dividendos pelos accionistas, ou o clássico PT vai pagar o maior dividendo de sempre a accionistas.
16- PT, Histórico de Cotações.


DAQUI