segunda-feira, novembro 10, 2014

Antes que seja tarde (e já é)

Como vimos ontem, Cavaco "desantecipou" as eleições em nome da "estabilidade política" e teremos instabilidade por mais um ano. É absurdo, mas não é necessário ter grande memória para constatar que as nossas vidas perdem sempre mais quando há do que quando não há "estabilidade política". Tal como não seria necessário ser superdotado para perceber ainda outro absurdo, este relacionado com esse outro poço de virtudes a que chamaram "governabilidade": num contexto como o actual, em que com Tratado Orçamental as doses de austeridade vão aumentando com o passar dos anos e com a sucessão de Governos, perdemos sempre mais com os novos orçamentos do que perderíamos se o novo Governo que saia de eleições, ou até o mesmo, aplicasse o Orçamento anterior em duodécimos em vez de governar com um novo orçamento – são-no sempre – ainda mais austeritário.

Este foi o argumento utilizado pelo PS para reclamar a antecipação de eleições, assim uma coisa tipo "a nossa austeridade é melhor e mais inteligente do que a vossa" Mas mais "inteligente" e mais fofinha em quê, concretamente? No post anterior, aludi à necessidade da nossa democracia se proteger do excesso de concentração de poder conferindo à comunidade um mecanismo, que pode ou não ser  o do referendo, que lhes permita retirar o mandato a quem exerça o poder à revelia dos cidadãos que lhe confiaram o voto no pressuposto de determinado contrato eleitoral. Complemento-a neste que lêem com a ideia da obrigatoriedade que deveria impor-se a todos os partidos que se apresentem a eleições da inclusão nos seus programas eleitorais de uma versão simplificada do Orçamento do Estado que seriam depois obrigados a manter sem grandes alterações caso as ganhassem e fossem Governo. Acaso o Orçamento do Estado não é a quantificação, preto no branco, de todas as promessas eleitorais?

A democracia só faz sentido numa base de compromisso entre eleitos e eleitores, a política só faz sentido quando consegue responder aos problemas e expectativas das populações, o exercício do poder político só faz sentido quando é exercido em representação do interesse público e o interesse público não é nem o interesse dos mercados nem os aplausos ou os amuos da senhora Merkel e do directório de Bruxelas e sim o de uma comunidade de pessoas que não perderam o direito a um presente com dignidade e a um futuro com esperança. A nossa democracia não pode continuar a permitir que cada vez mais pessoas lhe voltem as costas por haver um arco que na própria noite das eleições substitui o número das promessas que faz a quem ainda lhe confia o poder pelo das contrapartidas que compensam quem lhe financiou as campanhas e pelo dos "compromissos internacionais" que foi assumindo à revelia dos presentes e dos futuros dos primeiros, esses mesmos que lhes renovam o poder. Como escrevi ontem, a caça ao voto não pode continuar a ser o modo de vida dos mais refinados aldrabões.