Mais uma
celeuma, desta feita do piropo. Querem criminalizar o piropo, vejam bem, essa
instituição secular, que homenageia em qualquer lugar, a qualquer hora, as
mulheres. Mas também os homens. Porque o piropo é unissexo e eu posso garantir
isso pois praticamente não posso andar na rua.
Bom, antes
de mais, importa dizer que nunca mandei piropo algum. Pelo menos ordinário,
pois já devo ter dito um “eláááá”. Mas terá sido compulsivo. Às vezes uma
pessoa é surpreendida. Por isso julgo que a criminalizar-se o piropo, pelo
menos devia dar-se uma folga, ou seja, um “eláááá” deve ser admissível mas um
“eláááá, bela pernoca” já é demais, pois o indivíduo teve tempo de cessar os
elogios e manter a ordem pública.
Há, em
todo o caso, a legitimidade por parte das mulheres e dos homens de não quererem
ser importunados com juízos sobre o seu corpo e propostas sexuais.
Pessoalmente, acho mais chato e criminoso a publicidade nas caixas de correio,
físicas ou electrónicas, bem como sms promocionais. Mas isso sou eu. Há quem
prefira não ser galenteado, ainda para mais com aquele charme urbano tão
característico, e estão no seu direito.
Devemos,
porém, ter em consideração o lado positivo do piropo, na medida em que esta
figura de pouco estilo puxa pela imaginação e criatividade de pessoas que em
teoria só usam a cabeça para transportar objectos. Ao criminalizar o piropo,
vamos estar a curtar definitivamente o único elo de muitas pessoas com a
criação artística.
«Mas
aquilo não é arte!», exclamarão alguns. E bem, mas já vi em cena coisas muito
piores e a pagar.
Por outro
lado, interessa saber o que dizem aqueles que defendem a criminalização do
piropo sobre os machos que reagem à perfeição da mulher com o chamado piropo
religioso, por exemplo, “Minha Nossa” e “Louvado seja o Senhor”. Não se vai
naturalmente enviar estas pessoas para a prisão, mas ao mesmo tempo estamos a
criar uma situação de injustiça relativamente ao piropo ateu.
E
acautelará esta lei a situação do ordinário? Ou seja, um piropo pode muitas
vezes explicar-se com a condição do infractor. Isto é, ele pode não ser
genuinamente uma besta sem educação, mas a vida levou-o a praticar aquele
piropo. Por exemplo, quando conduzimos uma carrinha comercial branca, estamos
muito mais susceptíveis de usar o cláxon para chamar a atenção de uma fêmea ou
inclusivamente descrever em poucos segundos e aos gritos pela janela
aquilo que se estaria disposto a efectuar-lhe.
Neste
contexto, o leitor, até o mais bem formado, pode um dia alugar uma destas
carrinha para transportar um sofá e num gesto compulsivo ousar faltar ao
respeito para com outrém, ao arrepio de tudo o que seus pais lhe ensinaram e
ferindo o orgulho alheio com uma expressão de duvidoso romantismo. Deverá este
grosseiro de situação ir parar logo à cadeia ou deve a sociedade conceder-lhe
tolerância e penalizar exclusivamente os casos de reincidência?
Enfim,
está claro que não é uma questão simples e daí estar criada a celeuma.
Pessoalmente, acho que a lei não devia interferir nestas situações, pois se
criminalizamos tudo, não tarda estamos todos na cadeia, o que só seria bom na
óptica da economia familiar, uma vez que não teríamos de pagar as contas.
Também por isso não se recomenda o débito directo.
A solução
passa, portanto, na minha opinião, por autocolantes a dizer “piropos, a mim,
não”, tal qual os autocolantes contra a publicidade nas caixas do correio, que
as pessoas que não apreciam deselegâncias devem exibir.
«Mas
ninguém respeita esses autocolantes!», exclamarão alguns. Pois bem, então é
despejar sobre o indivíduo uma latinha de gás pimenta, que deverá passar para o
escalão mais baixo do IVA e ser dedutível no IRS.