Sintetizar o significado do Orçamento do Estado para 2015, é dizer que se trata de um instrumento com que o governo trata de burlar os portugueses. Concretamente, os que vivem do seu trabalho.
Basta atentar na contradição da conversa do primeiro-ministro que, no discurso (escrito) de abertura do debate diz uma coisa sobre a reposição dos salários dos funcionários públicos, e meia hora depois diz o contrário.
A contradição foi, contudo, apenas de palavras: de facto (ai de quem lhe escreveu o discurso), o que Passos Coelho queria dizer e tenciona fazer é não cumprir a determinação do Tribunal Constitucional e manter os cortes salariais. Apesar disto, toda a polémica parlamentar à roda do OE se construiu à volta de fábulas, mostrando em última análise o à-vontade com que o governo persiste na sua política de esmagamento do trabalho, preparando-se para completar o último ano da legislatura como quem morre na cama, depois de tudo o que fez nestes três anos.
Basta atentar na contradição da conversa do primeiro-ministro que, no discurso (escrito) de abertura do debate diz uma coisa sobre a reposição dos salários dos funcionários públicos, e meia hora depois diz o contrário.
A contradição foi, contudo, apenas de palavras: de facto (ai de quem lhe escreveu o discurso), o que Passos Coelho queria dizer e tenciona fazer é não cumprir a determinação do Tribunal Constitucional e manter os cortes salariais. Apesar disto, toda a polémica parlamentar à roda do OE se construiu à volta de fábulas, mostrando em última análise o à-vontade com que o governo persiste na sua política de esmagamento do trabalho, preparando-se para completar o último ano da legislatura como quem morre na cama, depois de tudo o que fez nestes três anos.
Fábula 1: há guerra no governo
O anúncio da baixa de impostos, de que o CDS se quis fazer paladino, resultou em nada. Houve mesmo quem falasse em “derrota do CDS”, dando crédito à ideia de que há uma facção menos má no governo. Se se prestasse alguma atenção aos estragos que o ministro Mota Soares (CDS) tem feitos na Segurança Social, perseguindo da forma mais canalha os mais pobres dos pobres, e lapidando sistematicamente todos os apoios aos assalariados — perceber-se-ia melhor o real papel que o CDS tem no governo e a sintonia perfeita entre Passos e Portas. Igualmente, se se atentasse no que tem feito o ministro Pires de Lima (CDS), que chegou ao governo com a promessa de baixar o IVA e afinal viu que “não há condições”.
O anúncio da baixa de impostos, de que o CDS se quis fazer paladino, resultou em nada. Houve mesmo quem falasse em “derrota do CDS”, dando crédito à ideia de que há uma facção menos má no governo. Se se prestasse alguma atenção aos estragos que o ministro Mota Soares (CDS) tem feitos na Segurança Social, perseguindo da forma mais canalha os mais pobres dos pobres, e lapidando sistematicamente todos os apoios aos assalariados — perceber-se-ia melhor o real papel que o CDS tem no governo e a sintonia perfeita entre Passos e Portas. Igualmente, se se atentasse no que tem feito o ministro Pires de Lima (CDS), que chegou ao governo com a promessa de baixar o IVA e afinal viu que “não há condições”.
Fábula 2: a troika já se foi
Bastou o sr. Poul Thomsen (o encarregado do FMI para a Europa) dizer que Portugal deve continuar na mesma via, para que todas as discussões sobre baixa de impostos morressem. O homem foi tão claro que não deixou margem para dúvidas: “Portugal deve continuar a seguir o rumo definido no programa de ajustamento, mantendo a consolidação orçamental e pondo em prática reformas estruturais”. Por consolidação orçamental deve entender-se o aperto fiscal e salarial sobre a massa trabalhadora; e, por reformas estruturais, privatizações de serviços públicos, cortes na Segurança Social, desmantelamento da Saúde e do Ensino. Isto é, a troika mantém-se mesmo tendo-se ido embora.
Bastou o sr. Poul Thomsen (o encarregado do FMI para a Europa) dizer que Portugal deve continuar na mesma via, para que todas as discussões sobre baixa de impostos morressem. O homem foi tão claro que não deixou margem para dúvidas: “Portugal deve continuar a seguir o rumo definido no programa de ajustamento, mantendo a consolidação orçamental e pondo em prática reformas estruturais”. Por consolidação orçamental deve entender-se o aperto fiscal e salarial sobre a massa trabalhadora; e, por reformas estruturais, privatizações de serviços públicos, cortes na Segurança Social, desmantelamento da Saúde e do Ensino. Isto é, a troika mantém-se mesmo tendo-se ido embora.
Fábula 3: o alívio fiscal
O magro ganho que o governo promete no IRS para algumas famílias tem como contraponto a baixa significativa do IRC, sobre as empresas. Mas não só isto: há toda uma lógica diferente para justificar uma coisa e outra. O IRC não só baixa em Janeiro próximo de 23% para 21% como tem já previstas quebras em anos sucessivos até aos 17%. Mais: a comissão do IRC (presidida por Lobo Xavier, outro CDS) defende que esta baixa “só deveria ser interrompida em face de constrangimentos excepcionais”. Ou seja, a lógica exactamente contrária à que o poder aplica à baixa do IRS — que só poderá verificar-se nas condições de um crescimento económico que ninguém vislumbra.
Por fim: como vai o governo compensar a quebra de receita do IRC (207 milhões de euros)? — com a perseguição fiscal e o corte de salários sobre o trabalho, evidentemente.
O magro ganho que o governo promete no IRS para algumas famílias tem como contraponto a baixa significativa do IRC, sobre as empresas. Mas não só isto: há toda uma lógica diferente para justificar uma coisa e outra. O IRC não só baixa em Janeiro próximo de 23% para 21% como tem já previstas quebras em anos sucessivos até aos 17%. Mais: a comissão do IRC (presidida por Lobo Xavier, outro CDS) defende que esta baixa “só deveria ser interrompida em face de constrangimentos excepcionais”. Ou seja, a lógica exactamente contrária à que o poder aplica à baixa do IRS — que só poderá verificar-se nas condições de um crescimento económico que ninguém vislumbra.
Por fim: como vai o governo compensar a quebra de receita do IRC (207 milhões de euros)? — com a perseguição fiscal e o corte de salários sobre o trabalho, evidentemente.
Fábula 4: a nova oposição PS
Os novos dirigentes do PS viram no OE nada menos que um sinal de “desagregação” do governo. Ao que os responsáveis do PSD responderam, não senhor, que o OE revela um “governo coeso”. Empate, portanto, na nulidade política das afirmações.
Quanto à matéria que importa, nem António Costa nem o grupo parlamentar se comprometeram com nenhumas medidas concretas. Costa ainda justificou a moleza do PS com o facto de ainda não haver liderança eleita (a sair do próximo congresso). Mas os factos apontam para outro lado: na contingência de vir a ser governo daqui a um ano, o PS não se quer comprometer com afirmações que tenha de desmentir no dia seguinte. Ou seja, também com o “novo” PS a troika persistirá para além da troika.
Os novos dirigentes do PS viram no OE nada menos que um sinal de “desagregação” do governo. Ao que os responsáveis do PSD responderam, não senhor, que o OE revela um “governo coeso”. Empate, portanto, na nulidade política das afirmações.
Quanto à matéria que importa, nem António Costa nem o grupo parlamentar se comprometeram com nenhumas medidas concretas. Costa ainda justificou a moleza do PS com o facto de ainda não haver liderança eleita (a sair do próximo congresso). Mas os factos apontam para outro lado: na contingência de vir a ser governo daqui a um ano, o PS não se quer comprometer com afirmações que tenha de desmentir no dia seguinte. Ou seja, também com o “novo” PS a troika persistirá para além da troika.
Fábula 5: o governo representa-se a si mesmo
A acreditar na maioria dos comentadores, o governo permite-se prosseguir a mesma política por obstinação do primeiro-ministro e pela sua fidelidade aos ditames alemães. Mas para lá disso o governo tem apoios internos, a quem representa — a banca e o grande capital, em primeiro lugar. Mas também o capital de uma forma geral, que conta com o estrangulamento do trabalho para poder manter-se vivo. O OE e a continuidade da política de Passos e Portas nem veriam a luz do dia se não contassem com esses apoios — uns activos e influentes, outros passivos e expectantes por não terem alternativa. Alguém ouviu críticas da finança, da grande indústria, dos monopólios da distribuição e da energia ao OE ou ao rumo traçado pelo governo?
A acreditar na maioria dos comentadores, o governo permite-se prosseguir a mesma política por obstinação do primeiro-ministro e pela sua fidelidade aos ditames alemães. Mas para lá disso o governo tem apoios internos, a quem representa — a banca e o grande capital, em primeiro lugar. Mas também o capital de uma forma geral, que conta com o estrangulamento do trabalho para poder manter-se vivo. O OE e a continuidade da política de Passos e Portas nem veriam a luz do dia se não contassem com esses apoios — uns activos e influentes, outros passivos e expectantes por não terem alternativa. Alguém ouviu críticas da finança, da grande indústria, dos monopólios da distribuição e da energia ao OE ou ao rumo traçado pelo governo?