terça-feira, dezembro 09, 2014

O PROBLEMA DO TEMPO

O filósofo português Leonardo Coimbra contava esta história sobre um professor que queria definir o tempo como aquilo que fica depois de se ter tirado tudo: "Um velho professor de Mecânica começava as suas lições universitárias por convidar o curso a imaginar um comboio deslizando na linha, dizendo depois solene: 'suprimam o comboio, a paisagem, a linha, o solo, etc., o que fica?' E o curso, perplexo, debalde tratava de pensar o que ficaria. Depois de uma pausa misteriosa, era o professor que deste modo respondia: 'O Tempo!' " 

De facto, o velho professor estava equivocado. De acordo com o físico suíço de origem alemã Albert Einstein o tempo é indissociável do espaço. Os dois formam um todo – o espaço-tempo – que surgiu numa misteriosa explosão – o Big Bang – há cerca de treze mil milhões de anos. De então para cá, à medida que o tempo tem passado, o Universo tem evoluído num processo contínuo de auto-organização: a energia primordial do Big Bang deu lugar a partículas, as partículas juntaram-se em átomos, os átomos associaram-se em moléculas e estas agregaram-se em matéria infinitamente variada, incluindo a mais complexa de todas, a matéria viva de que somos feitos.

O que é, afinal, o tempo? Pois um físico começará por dizer que o tempo é aquilo que marcam os relógios. Com efeito, o ano foi definido como o tempo que o nosso planeta demora a dar uma volta completa em torno da nossa estrela. É como se a seta invisível que vai do Sol para a Terra fosse o ponteiro de um gigantesco relógio. Mas esta noção de tempo – o tempo duração, o tempo sempre repetido, o tempo reversível – contrasta nitidamente com a do tempo cosmológico – o tempo evolução, o tempo que nunca se repete, o tempo irreversível. O Universo nasceu, vive e aparentemente tem um futuro eterno à nossa frente. É finito para trás, mas infinito para a frente. Contudo, tal não quer dizer que a vida na Terra seja eterna: a nossa estrela nasceu há cerca de cinco mil milhões de anos, vive e um dia irá morrer. E cada um de nós é bem mais temporário do que o Sol à volta do qual andamos. Sabemos bem que a nossa vida é finita, raramente chegando um habitante da Terra a dar uma centena de voltas em torno do astro-rei.    

Einstein, querendo consolar a viúva de um seu grande amigo quando este faleceu, escreveu que "o tempo é ilusão", querendo significar com isso que não existe distinção entre passado e futuro do ponto de vista das partículas individuais (a Terra e o Sol podem ser vistas como duas partículas). Mas essa distinção existe, de facto: sabemos bem que o futuro é diferente do passado, lembramo-nos do passado e não nos lembramos do futuro. Dá a ideia que o tempo irreversível aparece com o aumento do número de partículas e da complexidade das suas interacções. Uma partícula sozinha não conhece a diferença entre o passado e o futuro ao passo que muitas partículas em interacção já conhecem. Como passar do tempo reversível para o tempo irreversível? Reside aqui o grande problema do tempo, um problema que persiste na ciência e na filosofia, apesar de ter sido enfrentado, embora de prismas diferentes, tanto por grandes físicos como por grandes filósofos. Tentamos perceber o tempo, mas ainda não conseguimos.

A questão do tempo assume um papel central na charneira entre a ciência e a filosofia, mostrando como as duas se tocam. O matemático e filósofo britânico Alfred North Whitehead sumariou de maneira lapidar a nossa dificuldade em compreender o tempo: "É impossível meditar no tempo e no mistério do processo criativo da Natureza sem se ter uma emoção esmagadora sobre as limitações da inteligência humana."