Ricardo Salgado pode ter feito uma porção de asneiras muito razoável, mas ainda assim, olhando por alto para as comissões para lamentar de inquérito, ainda era a ele que entregava as minhas poupanças. Quais poupanças? – Perguntará o Leitor mais cruel e é uma boa pergunta. Também não sei. Mas pronto, é uma força de expressão.
Não deixa de ser notável como um homem cai de uma altura tão grande, tão direitinho. Eu sempre que vejo a minha conta fico dois dias em casa de roupão e o Ricardo Salgado viu o grupo e o banco irem pelos ares e parece que se vai casar.
Era, sem dúvida, a ele que entregava as minhas poupanças. Dirá o Leitor mais revoltado que me deixei levar pela sua estratégia de defesa. Confesso que não vi estratégia de defesa alguma. Ricardo Salgado esteve igual a si próprio, como se diz na gíria fofa.
E não se viu estratégia de defesa provavelmente porque a actividade bancária é uma permanente estratégia de defesa. Os bancos, na verdade, não apresentam resultados. Defendem-se. Neste caso em concreto, Ricardo Salgado está apenas a defender-se de resultados menos bons. Dir-se-ia até resultados muito fracos, na medida em que o banco e o grupo foram à vida, mas são resultados.
O que eu sei é que do que vi até agora, seria Ricardo Salgado o meu director financeiro. O seu primo Ricciardi não podia ser porque é um pouco histérico e acorda tarde. Também é demasiado frontal e eu tenho cá para mim que as pessoas demasiado frontais caíram quando eram “piquenas” e partiram a mola da elegância.
Ricciardi, ao tomar conta das minhas poupanças, andaria uns meses a dar-me palmadinhas nas costas na esperança de que houvesse mais. Quando percebesse que não havia mais nada, ia directo ao Banco de Portugal apresentar queixa contra mim.
A outra hipótese era Pedro Queiroz Pereira mas ele próprio disse várias vezes que é só industrial, pá. E eu fábricas não tenho, pá. Tenho uma pequena garagem e algumas ferramentas, mas duvido que o ‘pqp’ conseguisse fazer papel com aquilo. Agora que penso nisso, sediando a pequena garagem no Luxemburgo e obtendo um financiamento de 200 milhões talvez seja possível levá-la ao PSI 20.
Mas enfim, vou sempre precisar de alguém para gerir as minhas poupanças, que no caso da garagem correr bem vão passar a ser uma fortuna. E esse alguém, repito, feita uma análise às comissões para lamentar de inquérito, seria Ricardo Salgado, o gentleman disto tudo.
Insistirá o Leitor mais revoltado que eu me deixei levar pela estratégia de defesa de Ricardo Salgado. E eu insisto que não há como sair desta história sem ser enganado, pelo que o melhor mesmo é escolhermos a nossa personagem preferida, como em qualquer novela. Ora, pela minha parte, não costumo simpatizar com as personagens cómicas e a verdade é que Ricardo Salgado fez o que devem fazer nestes casos os homens de bem. Protegeu a sua família, lutou pelo seu império e no fim culpou o contabilista.
Reconheça-se que arcar com as culpas é uma das principais competências dos contabilistas. Donos que são de uma ciência que ninguém compreende, só eles conseguem fazer magia com números. - Mas senhor presidente, como eu já lhe disse, o senhor está falido. – Não diga isso, seu incompetente, a culpa é sua, que não sabe fazer contas, eu vou matá-lo com o meu corta charutos, seu imbecil, veja lá melhor as contas. – De facto, vendo bem, o seu império apresenta resultados positivos de 3 milhões. – Era preciso pregar-me um susto daqueles!?
Creio que com este exemplo se percebe bem o nível de responsabilidades. Um tenta lutar pela sua faustosa sobrevivência, o outro faz apenas a sua magia, registando-se tão-somente uma ameaça com um corta charutos, que não passa de um pequeno delito.
Não tenho dúvidas em declarar a minha confiança em Ricardo Salgado e a minha disponibilidade para com ele fazer bons negócios, na certeza de que se não correrem bem, só não quero ser inquirido pela Mariana Mortágua, que me parece a pior parte de se estar envolvido num escândalo financeiro.