domingo, janeiro 18, 2015

Não há-de ser nada

A síndrome de Anton está associada a um tipo de cegueira provocada por uma lesão no cérebro originada, entre outros, por uma hemorragia ou um tumor em que os olhos não apresentam nenhuma anomalia. Porém, embora as pupilas continuem a reagir a estímulos luminosos, a cegueira produz-se porque o cérebro não consegue processar a informação que estes lhe transmitem. Entre os que sofrem deste tipo de cegueira, a síndrome de Anton é uma complicação que se produz em todos aqueles que, apesar de objectivamente não verem, desenvolvem uma negação desse facto que os leva a simularem o contrário, comportando-se como se estivessem a ver as roupas e os objectos que descrevem e tentando mover-se sem ajuda e, claro, tropeçando constantemente. Há um par de semanas, voltámos a tropeçar em mais um aumento da idade da reforma. Com toda a certeza que não será Anton, mas a forma como o tumor da mansidão produz um misto de cegueira e de loucura que vê no argumento do envelhecimento populacional explicação suficiente para aceitar pacificamente que se obriguem os mais velhos a trabalhar quando há tantos novos desesperados por uma oportunidade de vida tem tudo a ver com esta forma peculiar de fingir que se vê sem ver como nos estamos a deixar entalar. E hoje voltámos a tropeçar. Voltou a não ser o envelhecimento populacional que em 2007 foi aos cofres do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social sacar 109 milhões para os jogar em bolsa em acções da PT para perder quase tudo, hoje esses 109 milhões valem apenas 14 milhões, mas voltará a ser o envelhecimento populacional o culpado pelo próximo aumento da idade da reforma que o desaparecimento destes 95 milhões já encomendou. A síndrome da resignação está de tal forma generalizada que nem se torna necessário ver o inquérito que apuraria os responsáveis por mais este crime, ver os irresponsáveis que os substituíram proibidos de jogar dinheiros públicos no casino da bolsa ou ver como as privatizações têm resultado invariavelmente em perdas para a comunidade que deveríamos ser. A privatização da TAP até já vem a caminho. Não há-de ser nada. Olhos ou cérebro, não importa, ou défice de cidadania, ou défice de tudo, está-se mesmo a ver que desta vez não haverá tropeção algum. Ver e fingir que não. Uma espécie de Anton social revirado do avesso.

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