terça-feira, fevereiro 17, 2015

A maioria dos impostos já ia para o ar


O cliente não acreditava nisto da taxa sobre os sacos de plástico. Ou seja, não acreditava que a senhora da mercearia ia passar a cobrar-lhe pelos sacos. Não acreditou até a senhora da mercearia lhe dizer que já tinha ido às Finanças largar cento e tal euros – não me recordo do valor certo, mas também não estou obrigado ao rigor da informação – o que tornou tudo bastante mais claro e lógico na cabeça do cliente.
Esta conversa, que escutei ilegalmente, passou-se numa mercearia no meio do Alentejo. Ora, neste ambiente, mais intimista e puro, fica tudo ainda mais dramático. A senhora foi levar cento e tal euros às Finanças, por causa dos sacos que ainda lá tem – ou coisa parecida. Imaginem agora a senhora da mercearia a ir às Finanças, com o dinheiro, pagar mais um imposto. No fundo, foi dar mais um bocado ao Estado, agora com a desculpa de se ter de acabar com os sacos de plástico.
Uma boa desculpa, diga-se em abono da verdade e sem qualquer espécie de ironia. Pela minha parte, os sacos de plástico deviam custar mil e quinhentos euros e ainda se devia deixar uma caução de mais mil e quinhentos euros para o caso de não ser dado o melhor destino ao respectivo saco. Resumindo, para se ter um saco de plástico, havia de se largar três mil euros à cabeça.
Acontece que, face ao grau de confiança que temos nas autoridades públicas, mais concretamente nas autoridades públicas que gerem o tesouro, a questão ambiental parece mero expediente. O que era preciso era pôr esta senhora – as senhoras todas e os senhores todos – a largarem mais uns euros. Então… e tributar o quê? Podia ser espirros. Cada vez que espirrassem, dez euros. Mas era difícil explicar isto às pessoas, sobretudo às que têm muitas alergias. Já sacos de plástico, é fácil. Nasce então a fiscalidade verde, independentemente de muitos portugueses defenderem que há já muito tempo que a maioria dos impostos vai para o ar.
Pessoalmente, ficaria mais convencido das boas intenções do Governo se existisse uma coisa que se chama consignação de impostos, que julgo ser proibida – pelo menos no tempo em que eu não estudava, era.
A consignação de impostos obrigava a que a receita de um determinado imposto fosse usada única e exclusivamente para um determinado fim. Ou seja, uma chatice para os governos e por isso liminarmente impedida por lei. Mas neste caso era bonito imaginar que as receitas da fiscalidade verde servissem para investir na área do ambiente. É claro que esse é o objectivo anunciado pelo Governo, mas no fim de contas até podem rebentar tudo em sacos de plástico, basta que tal, de repente, se mostre mais urgente.
Se há besta que polui é o Estado. E não me refiro à poluição que naturalmente tem de produzir, mas àquela que produz a mais. Só em papel e tinteiros, dava para amortizar a dívida não apenas junto do FMI mas de todos os credores e sem ter de pedir mais nada a mais ninguém.
Foi por isso com pena que ouvi a senhora dizer que já tinha ido às Finanças largar as notas, tipo dízimo. Ela também não apreciou, a ver pela alegria com que relatava aos fregueses. E a razão é sempre a mesma: Não se saber para onde vão as notas. Ou saber.