Pertenço ao numeroso grupo de portugueses a quem a Autoridade Tributária
e Aduaneira (AT) está a ameaçar com penhoras por "dívidas de valor
reduzido". Valor reduzido é um eufemismo, pois, tudo somado, são largas
centenas de euros.
A história não parece ser diferente de outras que já ouvi. Ao consultar
a minha página no portal das Finanças fui surpreendido pela existência das tais
dívidas. Achei-as muito estranhas, pois sempre cumpri escrupulosamente as
minhas obrigações fiscais e não tinha recebido qualquer notificação. Mas lá
consegui desenterrar das profundezas do ciberespaço das Finanças (dizia, num
português macarrónico, que o sítio “abria a AT à colaboração com os
contribuintes”) uma série de formulários electrónicos que consubstanciavam
vários processos de contra-ordenação. Eram “instaurações automáticas” todos
elas por alegadas violações da Lei n.º 25/06 ocorridas há três anos. A entidade
autuante era uma tal Ascendi, que eu não conhecia de lado nenhum. Mas a
entidade que fixava as coimas, portanto ao serviço da Ascendi, era o chefe do
Serviço de Finanças. Só para dar um exemplo, o chefe tinha decidido aplicar uma
coima estapafúrdia de 55 euros por alegada falta de pagamento de uma portagem
de 5,50 euros, acrescida de custas obscenas de 38,25 euros. O “grau de culpa”,
fiquei a saber, era “negligência.” Ora, se ali havia “culpa” e “negligência”
era da Ascendi e da AT, pois eu possuo um aparelho de Via Verde e todos os
meses o meu banco transfere sem discussão a totalidade do que me pedem. Por
descarga de consciência, ainda fui consultar os meus registos de Via Verde de
há três anos. E tudo tinha sido rigorosamente pago. Portanto era um engano.
Alertaram-me, porém, que a AT nunca se engana e raramente tem dúvidas, pelo que
achei melhor colocar o assunto nas mãos de um bom advogado. Este, depois de
mais escavações na Net e de visitas às Finanças, conseguiu saber que as
infracções não tinham, como eu supunha, sido feitas pelo meu carro, mas sim por
um outro veículo, que tinha, aliás, passado em sítios onde eu nunca fui.
De repente, a olhar para a matrícula, fez-se-me um clique. Há três anos
tinha comprado um carro novo, dando um velho à troca num stand de
Coimbra. Deduzi que o carro antigo teria andado, depois de vendido (quando
obviamente já não era meu), a passar por baixo de pórticos da Ascendi. O
meu advogado entregou reclamação, informando-me que um tribunal de Braga já
tinha anulado vários processos semelhantes e que o assunto estava até em
discussão na Assembleia da República. Ainda procurei o stand que me tinha vendido o carro, ficando a saber que
estava em processo de insolvência. O responsável pela empresa falida é
dirigente do clube de futebol local que me fez promessas de que ia ver o que se
teria passado. Não foi nem vai, pois pertence ao grupo de gente cujo “grau de
culpa” é a negligência permanente.
Ainda acredito na justiça e o processo seguirá os seus lentos trâmites.
Estou a procurar desatar o processo tremendamente injusto que a AT me moveu. Eu
não fui identificado, como manda a lei. E também não fui notificado, como
também manda a lei – isto é, a entidade autuante, a Ascendi, porta-se, em
estreito conluio com a AT, à margem da lei, para não falar da evidente
exorbitância que consiste em cobrar “quantias exequendas” e “acrescidos” (a
terminologia faz parte da tortura!) que, podendo ser legais, são manifestamente
imorais. Ilegal devia também ser o levantamento pela Ascendi e pela AT de processos
distintos por cada passagem de um pórtico, num festim processual que é um
insulto à inteligência.
O Estado português, actuando em nome de uma empresa privada, está a
querer cobrar-me dívidas por infracções que não cometi. Embora inocente, já me
vi obrigado a pagar parte das falsas dívidas, para evitar mal maior. Tem de
haver responsáveis. O Ministério das Finanças tutela a AT. E as leis são feitas
ou alteradas pela Assembleia da República que, neste momento, tem uma maioria
PSD-CDS. Vou ser claro: a Ascendi, com a complacência do Governo e da
Assembleia da República, está a portar-se como um vulgar ladrão de estrada. E o
Estado, despido de qualquer dignidade, está a defender interesses que não são
públicos. O problema não é apenas do actual Governo, é também da actual
oposição, que consumou desastrosas parcerias público-privadas e aprovou a
referida lei. Fui ver quem é o responsável pela Ascendi e descobri que era o
sucessor de Jorge Coelho à frente da construtora Mota Engil.
O Estado é uma entidade abstracta, mas os políticos são pessoas
concretas. São os políticos que ocuparam e que ocupam a máquina do Estado os
responsáveis pela violência inaudita que está a ser exercida sobre cidadãos
desprotegidos. Vejo muita gente conformada com o estado a que isto chegou, mas
eu não me conformo. Nas nossas estradas os roubos não deviam ser permitidos.