sexta-feira, maio 08, 2015

Era uma vez... O INVESTIMENTO (série "felizes para sempre")

A propaganda oficial da austeridade costuma referir-se a uma família muito gastadora que tem que acostumar-se a novos hábitos de virtude. Foi a galope nesta ideia, debaixo dos aplausos dos que a comeram, que chegaram os cortes salariais e de pensões de reforma cuja ausência se notou nas caixas registadoras de milhares de negócios de pequena e média dimensão que foram obrigados a fechar portas e a empurrar para o desemprego uma multidão que nunca mais recuperará a vida que tinha antes.


Foi também à boleia deste discurso de virtude que o investimento privado foi respondendo à ausência de consumo com novos mínimos todos os anos. A propaganda oficial da austeridade vai dando o seu melhor para ignorar que vai ser cada vez mais difícil recuperar deste recuo do investimento que há muito deixou de cobrir sequer as amortizações, isto é, vai fazendo para que a opinião pública não se dê conta que a grande família Virtude foi deixando avariar os electrodomésticos lá de casa e deixou de renovar o guarda-roupa e que cada ano que passe maior será o investimento necessário para repor o que o tempo vai transformando em lixo.


Na vez desta constatação, ouvimo-los insistir na ideia de reduzir impostos sobre lucros, que isto impostos que os pague quem trabalha, e na mesma receita aplicada às contribuições para a Segurança Social suportadas pelas entidades patronais. Se os portugueses não se importam de ser progressivamente obrigados a trabalhar até mais tarde e de terem direito a receber pensões de reforma cada vez mais mínimas, eles também não. PSD, PS e CDS reduziram o IRC e preparam-se para assaltar a Segurança Social. Argumento: empresas que pagam menos impostos têm mais dinheiro, logo, – mesmo sem consumidores para os seus produtos – não hesitarão em investir mais, logo, a economia cresce, logo, gera mais emprego, logo, num instantinho ficamos todos ricos e somos felizes para sempre.


Era uma vez o investimento. Valeu bem a pena aumentar impostos sobre rendimentos do trabalho para aliviar impostos sobre lucros, como podemos verificar nas notícias do dia. Reduzir a TSU suportada pelas entidades patronais resultará exactamente no mesmo. E o resultado não é nenhum aumento do investimento. As cotadas na Bolsa nacional entregarão mais de dois terços dos lucros aos seus accionistas. O total a distribuir este ano regista um aumento de 9,4% face ao ano anterior. São mais 160 milhões que serão entregues aos investidores. Isto apesar dos lucros das doze empresas que vão entregar dividendos terem diminuído 1,5%relativamente a 2013. Há 20 magníficos que ficarão com metade do total de 1,86 mil milhões a distribuir, com a chinesa dona da fornecedora da electricidade mais cara de toda a Europa à cabeça. Na lista dos maiores beneficiários aparecem também Pedro Queiroz Pereira, Alexandre Soares dos Santos, Isabel dos Santos, Américo Amorim, Paulo Azevedo e o presidente da EDP António Mexia. O “investimento” são eles. Quanto menor o imposto, quanto menor a contribuição para a Segurança Social, tanto maior o dividendo. Andamos a fazer milionários.