domingo, maio 10, 2015

Evasão ou o refúgio que nos resta

Numa tarde ensolarada dos finais de Março, a caminho de Puebla de Sanabria, município espanhol raiano, província de Zamora, a estrada serpenteava por urzes e giestas tendo como pano de fundo a cordilheira que envolve o Parque Natural de Sanábria, que deve o nome ao enorme lago que ali se abriga. Nos picos mais altos, pedaços de neve a reluzir, estendidos que nem lençóis brancos a corar ao sol. Bonito!
Uma vez em Puebla de Sanabria, vila medieval que ainda conserva um bom pedaço da cintura muralhada que se acompanha descendo uma ruela em escadaria de cujo cimo o olhar se estende sobre a ponte do rio Tera e dá largas à vista sobre o extenso vale. A vila, toda ajaezada de sacadas e varandas floridas, arrima-se à roda do majestoso castelo, lá no alto, aonde convergem as “empinadas calles” do centro histórico. A reter.
O mesmo não se dirá da “apagada e vil tristeza” que vem ensombrando a política caseira. A Europa não anda muito melhor, com o folhetim da Grécia a fazer render os noticiários – acima de tudo, para relatar que ainda não há acordo, ufa… – e o Reino Unido às voltas com os resultados eleitorais num país desigual onde vivem muitos dos ricos mais ricos, numa União Europeia cada vez mais escavada pelas desigualdades. E aqui, em Portugal, onde a pobreza se arrasta pela calada, os velhos estão cada vez mais sós e desamparados e as crianças sofrem, na proporção de um para três, a míngua dos pais, mesmo quando se pode dizer que os têm. Porque a miséria esburaca tudo, as pessoas, as famílias, a vida social. A miséria moral, pior que a material, derruba valores, acicata raivas, alimenta vícios, destrói os indivíduos. E deste cortejo sobram a violência, os maus-tratos, a indignidade humana. Temos visto disto tudo e o mais que se verá. Só a classe – nem toda, registe-se – política não se dá conta, de tão ensarilhada que anda com os números e as estatísticas. O governo e a maioria que o apoia enchem a boca com os indicadores macroeconómicos que atestam um país que o comum dos mortais não enxerga. A oposição desunha-se a contraditar – tantas vezes com imerecido insucesso… O povo já nem os ouve, cansado e acabrunhado, a ruminar abstenções – “é lá com eles” –, perigosamente.
E como se não bastasse, sai-se o primeiro-ministro a dar à estampa uma biografia! Biografia?!! Que feitos tem este recente ex-jota para nos dar a conhecer? Pois então, que é racional, que não é frio, que canta a morna e o fado, que mete a louça na máquina, …, chega! Só pode ser brincadeira. E, pelo visto, de mau gosto, que a história do SMS da demissão “irrevogável” do Portas, o actual vice-primeiro--ministro e líder do partido da recentemente renovada coligação, caiu mal, pudera!, nas hostes centristas. É o que se pode chamar ter sentido de oportunidade e de conveniência! E o país à espera.
E o chamado programa económico do PS, um relatório intitulado “Uma década para Portugal” – embora desenvolva modelos económicos apenas para os próximos quatro anos – que, independentemente da conjuntura subjacente, contrariável, poderia servir para desencadear a discussão pública sobre o nosso futuro próximo, como proposta metodológica que é, só tem merecido desdém de quem nos governa! Quando não chacota.