sexta-feira, maio 15, 2015

O economicismo ou o discurso do empobrecimento compulsivo

1 - A magia do excel

Recentemente, foram emanados pela escolástica economicista portuguesa dois textos. Uma “Proposta de Programa de Estabilidade 2015/19” vindo da área governamental e um relatório designado “Uma década para Portugal” encomendado por uma área política que quer ser governo.

O primeiro tem o selo de um ignorante chamado Passos e o segundo não é assumido pelo manhoso Costa. Neste último caso, não é preciso vários doutoramentos para perceber a jogada; o homem manda 12 sumidades configurar o futuro dos portugueses para uma década, como balão de ensaio, resguardando-se, para mais tarde aparecer como o corretor ortográfico do documento ou, um género de polícia bom que se demarca do polícia mau.

O excel pode ter muitos defeitos mas um não tem; não deixa de reproduzir de modo irrepreensível o resultado dos números que lhe metem dentro. O problema, naturalmente, não é do instrumento mas, de quem o manuseia e do que vai na sua cabeça. Se tiver bom senso e ética, procura incorporar e relacionar variáveis que conduzam ao bem-estar coletivo; se ética e cidadania lhe tiverem sido ensinados como reles produtos sem cotação na bolsa, sobressai o ridículo ou o prejuízo da coletividade.

O excel do Gaspar falhou e o homem, reconhecidamente lento na expressão, precisou de dois anos para ver que os dados que havia colocado na folha de excel obedeciam a uma aritmética diferente da que revela as relações económicas e sociais. Bateu com a porta e cedeu o lugar ao Portas, bem mais habilidoso a gerir numerário.

Simbolicamente, a folha de excel do Gaspar terá ficado perdida num computador do ministério e encontrada pelas duas turmas de economicistas.

Do ponto de vista dos interesses da esmagadora maioria da comunidade dos sobreviventes em Portugal, o resultado das folhas de excel dos entes encarregados de os produzir é um aglomerado de bestialidades bem adornadas pela insípida linguagem técnica que disfarça a petulância, o espírito antissocial ou a desonestidade intelectual de muitos universitários de topo.

Será algo semelhante a folhas de excel que emite as previsões do FMI, corrigidas constantemente para que no final batam certo com a realidade, numa esperteza infantil indigna de crânios viciados na laboriosa configuração das reformas estruturais, cujos benefícios os povos – ignorantes - nunca conseguem almejar. O excel também veicula as previsões dos resultados da denodada ação governamental que a realidade se recusa a subscrever, como no caso da dívida pública, do deficit, das exportações, do investimento estrangeiro, etc. Ainda não havia excel e já o planeamento soviético se mostrava expedito na aldrabice; os dados que descreviam a realidade eram inventados para ultrapassarem as previsões do plano e revelarem assim a maestria dos gloriosos líderes da classe operária.

Os sacerdotes do excel, como aqueles que na Antiguidade antecipavam o futuro lendo as vísceras de uma galinha inscrevem-se numa longa linhagem. A modernidade na história da aldrabice é hoje bem representada pelos economicistas.