quinta-feira, junho 18, 2015

A Grécia no beco europeu

Quando se quer muito determinada coisa é difícil que os factos nos convençam do contrário. E há quem queira muito que a Grécia tenha um de dois destinos: ou a ruptura ou a capitulação. E querem que isso aconteça de tal forma que fique provada a irresponsabilidade das compromissos de Alexis Tsipras com o seu povo. É por isso fundamental passar a ideia que, nas negociações em curso, os gregos estão a ser pouco razoáveis.
Na realidade, até podiam ser razoáveis que a conclusão desejada se mantinha: o que eles queriam não era possível, mesmo que fosse aceitável, porque a Europa e os credores não querem. Por isso o melhor é comer e calar. Mas não tem a mesma força do que continuar a passar a ideia de que os gregos são irresponsáveis e radicais, assim como todos os que se atrevam a pôr em causa “a paz dos credores”.
Qualquer pessoa que esteja a acompanhar o que tem sido o massacre social e económico a que a Grécia foi sujeita nos últimos seis anos compreende que acrescentar a tudo o que já foi feito mais dois mil milhões de euros de austeridade anual é uma total irresponsabilidade. O que não resultou até aqui não vai passar a resultar pela insistência.
Quando foi imposto o primeiro plano de austeridade, a troika previu que a economia grega voltaria a crescer 1,1% em 2012. Conseguiu uma recessão de 7% do PIB em 2010 e coisa parecida em 2011. O crescimento, insignificante (0,7%), aconteceu apenas em 2014, depois de anos de destruição económica cujos efeitos perdurarão por muito tempo. Um quarto da população ficou desempegada, 11% acima do que a troika previa. Apesar dos sucessivos cortes no Estado e no défice, a dívida não parou de crescer. Em 2009, a dívida grega era de 115% do PIB. Em 2014, depois de duas reestruturações, estava nos 177%. Só mesmo o alivio geral dos juros, em meados de 2014, graças ao efeito Draghi (também sentimos o seu efeito), permitiu aos gregos respirar e verem cair as taxas de juro de 30% para 5%. Mas o País continua a ser um caco.
Quando o Syriza chegou ao poder propôs-se responder à autêntica emergência social que herdou e concentrar o esforço de racionalização das finanças do Estado no combate à corrupção e à fuga ao fisco (um verdadeiro cancro nacional). Seria de esperar que, para isso, contasse com o apoio dos parceiros europeus. A resposta burocrática foi simples: mais impostos, mais cortes, mais austeridade. E reformas estruturais. Não destas, que realmente contariam. Daquelas que permitiram vender meio país.
Segundo o Frankfurter Allgemeine, citando uma fonte das negociações, os gregos terão proposto trocar os 400 milhões de euros que os credores querem ir buscar às pensões por um corte igual nas suas despesas militares. A Grécia é, depois de França e logo antes do Reino Unido (duas potências militares), o segundo país da União que mais gasta, em percentagem do PIB, com as suas Forças Armadas. O dobro da Alemanha, Holanda, Bélgica, Espanha ou Hungria. Mesmo assim, o FMI teria recusado a proposta. A notícia foi obviamente desmentida pelos credores, mas ela, que de alguma forma corresponde a um debate que esteve em cima da mesa, traduz o pensamento geral da troika: nada pode fugir de um guião já escrito por mais absurdo que ele seja.
Mesmo que já todos tenham reconhecido que a austeridade não resultou na Grécia, mesmo que, por duas vezes, por causa desse falhanço, a crescente dívida grega tenha sido reestruturada, a União Europeia e os credores institucionais que, há seis anos, resgataram a banca francesa e alemã exposta à dívida grega, estão presos na sua própria trama infernal. Andam às voltas para nunca sair do mesmo lugar.
A irresponsabilidade dos Estados que querem que a Grécia sirva de vacina para os restantes povos rebeldes, , saindo do euro ou entrando em crise, associada à incapacidade política do Frankenstein em que se transformou a União, está a levar as negociações para um abismo. O que a Europa propõe à Grécia é que escolha entre a morte lenta, através da continuação de medidas que já provaram não funcionar, transformam num país inviável e impedem a sobrevivência de qualquer governo, ou a ruptura com a União e com o euro. Infelizmente não posso dizer que os poderes europeus serão responsabilizados pelas consequências da sua teimosia. Eles não dependem do voto. E talvez isso explique porque que estamos no estado em que estamos.

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