Nuno Crato apresentou como uma das bandeiras do seu mandato,
aquilo a que chamou a “implosão” do Ministério da Educação. De acordo com as
suas declarações a esse respeito entendia-se que pretendia que o aparelho
administrativo do seu ministério se aligeirasse e que a burocracia na relação
com as escolas se reduzisse.
Subjacente ao seu desejo estava, em larga medida, uma visão
partilhada com outr@s titulares da pasta acerca da “monstruosidade” e
perversidade desse aparelho, que seriam contrárias à eficácia dos procedimentos
e inimigas da liberdade de acção das escolas para resolver com celeridade os
seus problemas.
Com o mandato a terminar é interessante fazer um balanço de
tal pretensão e analisar se o que foi feito corresponde ao que se prometia e se
conduziu a uma melhoria de funcionamento do “aparelho” do MEC e a uma maior
liberdade das escolas.
Em termos práticos, a “implosão” prometida ficou restringida
a uma redução dos quadros qualificados ao serviço do MEC, o que se integrou no
esforço por reduzir a despesa com pessoal, nada tendo sido feito de relevante
no sentido de desburocratizar os procedimentos que se tornaram ainda mais
irracionais do que eram devido à opção por uma hiper-concentração dos centros
de decisão e pelo desenvolvimento de novas cadeias de controlo de todos os
actos de gestão nas escolas através de plataformas electrónicas de
preenchimento obrigatório para os detalhes mais remotos do quotidiano escolar e
a necessidade de autorizações hierárquicas para qualquer acto que fuja à mais
pedestre normalidade.
Toda a retórica em favor da desburocratização e da
descentralização dos procedimentos, não passou de uma falsidade repetida e
desmentida decreto após decreto, portaria após portaria, circular após
circular, continuando o MEC por se caracterizar por um torrencial delírio
legislativo e regulamentador. Sendo isto agravado com a evidente perda de
qualidade de muita dessa regulamentação, exactamente em virtude da saída de
muitos dos quadros mais competentes que antes a produziam. Porque uma coisa é
concordarmos ou não com o conteúdo de certos diplomas e outra é o que achamos
da sua qualidade em termos técnicos.
Os efeitos perversos da famigerada “implosão” concretizada
por Nuno Crato podem ser demonstrados, entre outros, em três áreas:
O desaparecimento de alguns organismos administrativos
intermédios levou a que muitas decisões e disputas sobre a interpretação de
diversos normativos ficassem dependentes em exclusivo de Lisboa. O que levou a
uma morosidade extrema das respostas às escolas, ao desencontro dessas
respostas entre vários serviços sem coordenação e ao puro e simples desrespeito
de muitos prazos definidos no Código do Procedimento Administrativo para dar
despacho, por exemplo, a meros recursos hierárquicos. De novo, uma coisa era
criticar o nepotismo que campeava nesses órgãos intermédios e outra é considerar
que eles devem ser completamente eliminados.
A falta de pessoal qualificado em áreas cruciais da
administração educativa conduziu a situações de ruptura ou à demonstração
pública de profunda incompetência, de que o exemplo maior foi a concepção e
execução do concurso para colocação de professores no ano lectivo anterior e
que motivou este ano, pelo que se lê na imprensa, a necessidade de contratação
externa de serviços que antes eram assegurados a nível interno. Não é raro que
as poupanças de curto prazo resultem em despesas posteriores maiores e neste
ano de eleições o medo de novo fracasso na colocação de professores parece ter
deixado a austeridade esquecida neste particular.
Em terceiro lugar, a redução de pessoal técnico qualificado
para dar apoio a algumas decisões conduziu a uma situação em que o MEC se
tornou presa fácil de grupos de pressão e de interesses externos que passaram a
influenciar de modo directo o círculo restrito de decisores em matérias
demasiado sensíveis e em que são notórias as cedências do poder político a
esses grupos. Há decisões desconexas e casuísticas em termos curriculares,
apresentadas quase como se fossem resultantes de estados de alma, que só se
conseguem explicar pela incapacidade do MEC resistir à sedução de tais grupos
de interesses.
E tudo isto se passa enquanto a burocracia e opacidade de
alguns procedimentos permanecem praticamente inalteráveis se não mesmo mais
incompreensíveis em tempos de exaltação “liberal”. As escolas raramente
estiveram tão presas de movimentos e nunca a transparência esteve tão ameaçada
pela dificuldade em controlar potenciais atropelos à legalidade graças ao
anonimato digital e ao já clássico “foi um problema informático”.
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