sexta-feira, setembro 19, 2008

Lehman foi-se; Merrill Lynch engolido; AIG em vias de marchar… Quem vem a seguir?

A carreta dos condenados rola ao amanhecer

O Bank of America está a comprar a Merrill Lynch por US$45 mil milhões, o AIG precisa de uma salvação de emergência de US$40 mil milhões do Tio Sam a fim de continuar a flutuar, e a Lehman Bros está acabada. Uau! O mundo financeiro foi virado de pernas para o ar da noite para o dia. Pela frente está um dia duro no pregão das bolsas.

As notícias do massacre de domingo na Wall Street puseram as bolsas estrangeiras num desfalecimento profundo. As acções ruíram na Ásia e caíram mais de 4 por cento na Europa. O dólar está constantemente a perder terreno para o euro e o ouro está em ascensão. A questão não é se o índice Dow cairá, mas "quanto" e que efeito terá isso sobre instituições financeiras cada vez mais frágeis.

A Lehman Brothers, o cavalo de batalha da Wall Street com 158 anos de idade, anunciou domingo que solicitará a bancarrota depois de haverem fracassado os planos de resgate por não ter encontrado um comprador. Temores de contágio do crédito e de uma recessão global voltaram à superfície e tornaram-se mais generalizados. O fracasso do Lehman sugere que os outros gigantes da Wall Street estarão logo a seguir o mesmo caminho rumo à extinção. O economista Nouriel Roubini coloca isto assim:
"Todos os correctores independentes estão em vias de desaparecer. Em Março foi o Bear Stearns. Esta noite foi o Lehman e a Merril Lynch. O Morgan Stanley e o Goldman Sachs teriam de encontrar um comprador amanhã. O modelo de negócio dos correctores está fundamentalmente defeituoso. Eles não podem sobreviver".
Roubini pode estar certo. A coisa divertida do capitalismo é que você precisa de capital para jogar. Quando as arcas do banco estão cheias de nada excepto mortgage-backed securities (MBS) sem valor e títulos lixo super-valorizados, tudo vai para a falência rapidamente. Este parece ser o caso do Lehman Bros., o centenário cavalo de batalha da Wall Street que se juntou à longa procissão de estabelecimentos bancários submersos agora empurrados para o abismo. O Lehman teve um grande êxito durante os tempos de boom quando tudo o que era preciso para fazer montanhas de dinheiro era uma inundação previsível de crédito com juros baixos do Fed e uma agência de classificações acomodatícia que carimbasse toda a imunda piscina de hipotecas titularizadas com um grande Triplo A antes de apregoá-la a algum investidor crédulo em Shangai ou Heidelberg.

Os trabalhos do Lehman não são muito diferentes dos de quaisquer outros na fraternidade bancária. O problema é que todo o sistema está sub-capitalizado e super-alavancado. Quando o Bear Stearns foi abaixo no ano passado, ele estava alavancado num rácio de 26 para 2. Quando o Hedgie Carlyle Capital explodiu, estava alavancado a 32 para 1. E quando a Fannie e o Freddie foram finalmente tomados pelo Tesouro dos EUA, os dos mamutes estavam alavancados a 80 para 1, o que significa dizer que eles tinham um dólar de capital para cada US$80 que haviam tomado emprestado. Eles teriam continuado pelo mesmo caminho errático – comprar hipotecas tóxicas e MBSs de pessoas que não tinham possibilidade de alguma vez reembolsar os seus empréstimos – se não tivessem sido tomados no "conservatorship" federal, o que é um meio imaginativo de dizer que estavam insolventes. O secretário do Tesouro Henry Paulson insensatamente conectou uma mangueira de dinheiro com diâmetro de 15 cm das entranhas do Tesouro às agências da Fannie de modo a que os dois gigantes pudessem continuar a cambalear a expensas do contribuinte sem se importar com o facto de que o modelo de negócio da titularização fracassou completamente e os investidores estrangeiros – incluindo a China – já começaram a diminuir as suas compras de dívida GSE. Isto não é assunto para risos. Os US$700 mil milhões do défice de transacções correntes dos EUA são financiados através de investidores estrangeiros que estão a ficar cada vez mais aterrorizados acerca do afundamento da moeda num sistema que, o tempo todo, parece mais um pôquer de casino. Aqui está um recorte do China Daily de sexta-feira:
"A China, que possui um quinto das suas reservas de divisas em dívida da Fannie Mae e do Freddie Mac, podem cortar a porção mantida em dólares dos EUA, segundo o China International Capital Corp (CICC), um dos maiores bancos de investimento do país.

"A crise fez os responsáveis chineses perceberem que é uma má ideia colocarem todos os seus ovos num cabaz, escreveu o economista chefe do CICC, Ha Jiming. 'Isto provavelmente conduzirá a maior diversificação nos investimentos em reservas de divisas estrangeiras'. A China possuía US$447,5 mil milhões de títulos de agências dos EUA em Junho de 2008, segundo cálculos do CICC utilizando dados divulgados pelo Tesouro dos EUA. Ela provavelmente reduzirá a porção das reservas em activos dolarizados dos actuais 60 por cento comprando mais activos não dolarizados, disse ele" (China Daily)
Naturalmente, os investidores e bancos centrais estrangeiros restringirão suas compras de títulos e bilhetes do Tesouro dos EUA até que haja alguma indicação de que os mercados estado-unidenses estabilizaram e serão capazes de aguentar os ferozes ventos adversos do maior crash habitacional da história, um mercado de títulos corporativos congelado, um sistema bancário paralisado, e uma procura do consumidor em declínio constante. Mas os americanos ainda parecem despreocupadamente inconscientes do que tudo isto significa para o futuro do país. Ao invés disso eles saboreiam cada nova bisbilhotice acerca da Bíblia pulsante, a governadora caçadora de ursos do Alasca que quer trazer o país de volta ao far west ao invés de aprender acerca da tempestade de fogo que assola os mercados financeiros.

Quando as compras líquidas estrangeiros de activos financeiros dos EUA começam a arrefecer, o jogo está acabado. O Fed será forçado a elevar taxas de juro para atrair capital estrangeiro, as quais colocarão uma pressão declinante sobre a economia e acelerarão o crash habitacional. A decisão de Paulson de proporcionar capital ilimitado à Fannie e ao Freddie amontoará cada vez mais dívida em cima do dólar gaguejante e dos US Treasuries. É o equivalente a amarrar a moeda verde a uma bigorna e lançá-la borda fora. As tentativas de Paulson de protelar uma crise bancária sistémica assegura que o governo federal passará por uma crise de financiamento sem precedentes em algum momento no futuro próximo. Haverá impostos mais elevados para a espancada classe média e taxas de juros mais altas para os negócios e os consumidores. Isto disparará uma desaceleração económica prolongada e um crescimento mais fraco. O crédito ficará mais restrito, bancos incumprirão, o desemprego aumentará e o PIB murchará. Um loop de retroalimentação negativa desenvolver-se-á a partir do vacilante sistema financeiro para a economia real; um círculo viciosa acabando em despedimentos maciços, enfraquecimento da procura, queda dos preços das acções, e confiança do consumidor em retrocesso. Bem vindo à Sopa da cozinha EUA.

Actualmente, Paulson e o chefe do Fed de Nova York, Timothy Geithner, estão a pressionar as elites banqueiras da Wall Street para se organizarem a fim de pagar dinheiro suficiente para a compra dos activos imobiliários desvalorizados do Lehman. A proposta do Fed é semelhante ao resgate de Greenspan do Long-Term Management LP (LTCM) que enervou os mercados financeiros no fim da década de 1990. Paulson assinalou que NÃO haverá salvamento semelhante ao Bear Stearns quando o Fed comprou US$29 mil milhões em activos relacionados com hipotecas. O Fed está espremido, tendo já comprometido a metade do seu balanço – aproximadamente US$500 mil milhões – em retomadas de posse através dos seus "leilões", os quais recentemente dispararam para as alturas recordes de US$19 mil milhões por semana durante as últimas três semanas. A crise está a aprofundar-se dia a dia. Analogamente, o Tesouro atrelou seu vagão à Fannie e ao Freddie o que expande a Dívida Nacional em mais US$5,2 milhões de milhões (trillion) e solapa gravemente a "plena confiança e o crédito" dos EUA neste processo. Ter em mente que a maior fonte do poder americano é o seu acesso a capital barato através do contribuinte. Paulson agora colocou esta fonte de receita em risco ao nacionalizar a indústria habitacional e sobrecarregar o contribuinte com (potencialmente) astronómicas obrigações futuras, embora ele saiba perfeitamente que o mercado poderia afundar mais 15 ou 20 por cento antes do fim de 2010. A imprudência de Paulson condenou o país a anos de grandes esforços.

Na tarde de domingo, nenhum acordo chegou a ser efectuado para comprar o Lehman Bros. e parecia que o banco estava destinado à bancarrota. A Wall Street preparou-se para o pior. Nouriel Roubini emitiu uma avaliação particularmente implacável no seu post mais recente no blog Global EconoMonitor:
"Agora é claro que estamos outra vez – como estávamos em meados de Março no momento do colapso do Bear Stearns – a uma curtíssima distância de uma corrida generalizada à maior parte do sistema bancário sombra, especialmente os outros grandes correctores independentes (Lehman, Merrill Lynch, Morgan Stanley, Goldman Sachs). Se o Lehman não encontrar um comprador no fim de semana e as outras contrapartes do Lehman retirarem as suas linhas de crédito na segunda-feira, você terá não só um colapso do Lehman como também o princípio de uma corrida aos outros correctores independentes... Esta corrida então conduziria a um colapso sistémico maciço do sistema financeiro. Esta é a razão porque na sexta-feira, e outra vez hoje, o Fed convocou os cabeças de todas as principais firmas da Wall Street (Lehman, Merrill Lynch, Morgan Stanley, Goldman Sachs) a fim de convencê-los a não puxar a tomada do Lehman e manter a exposição ao risco junto a este corrector na agonia".
Os bancos gigantes de investimento estão inescapavelmente armadilhados numa rede de contratos derivativos complexos e não regulados os quais – sob certas condições – poderiam ameaçar todo arranha-céu financeiro em Manhattan.

Uma porção apreciável da dívida do Lehman a longo prazo, de US$128 mil milhões, provavelmente será despejada num "banco mau" o qual ficará com os seus tóxicos activos apoiados por hipotecas e será financiado pelo Tesouro ou os demais bancos da Wall Street. Os bons activos podem então ser separados e vendidos tanto para o Bank of America como para o Barclays, os dois compradores em perspectiva. Desta forma, segundo a Forbes, "o banco mau seria mantido a flutuar enquanto os seus activos podiam ser despachados ao longo de um período de tempo de um modo que não abalasse o sistema financeiro mais do que já está".

Alguma variação da "solução Forbes" provavelmente será executada, mas, sejamos claros, isto realmente não é solução. É apenas um meio de comprar tempo rolando a dívida para esvaziar as feias consequências de contabilizar perdas maciças. Por outras palavras, é mais barato manter capital a queimar para suportar activos moribundos do que assumir a perda e efectuar um esforço genuíno para reestruturar o sistema disfuncional. Eis aqui como Paul Volcker, o antigo chefe do Fed, resumiu isto há duas semanas:
"Este brilhante novo sistema, esta prática nos Estados Unidos, esta prática no Reino Unidos e alhures, arruinou-se. O crescimento da economia nesta década será o mais lento de qualquer década desde a Grande Depressão, exactamente em meio a todas esta inovação financeira. O actual sistema financeiro é disfuncional. Isto é uma forma polida de dizer que ele fracassou".
A titularização fracassou. Os cortes nas taxas dos fundos do Fed fracassaram. Os dispositivos de leilão – TAF, PDCF e TSLF – fracassaram todos. As operações fora do balanço, a inflação de activos encarecendo a dívida, a contabilidade estilo Enron, os SIVs, os CP, MBS, CDOs, também fracassaram. As subprimes, as piggybacks, a opção-ARMs, as Alt-As fracassaram todas. As finanças estruturadas fracassaram. O sistema não funcionou, não pode funcionar. Está construído sobre a suposição equivocada de que o capitalismo pode prosperar sem capital; de que um dólar pode ser infinitamente ampliado por complexos instrumentos de dívida e mega-alavancamentos para gerar riqueza real e manter as rodas das finanças e da indústria a andar. Isto não pode ser feito. O sistema está submerso. O economista e escritor Henry Liu coloca isto assim:

"Mas esta abordagem é preferida por aqueles que têm autoridade, aprisionados na armadilha do auto-engano acerca de o capitalismo com mercado não regulamentado ser ainda fundamentalmente sadio. Eles tentam acalmar os mercados asseverando que a confusão actual é meramente um gargalo menor de liquidez que pode ser manuseado pelo banco central com a libertação de mais liquidez contra o pleno valor facial do colateral com valor em declínio. Não há sinais de qualquer grande estratégia ou plano coerente para salvar o sistema canceroso da auto-destruição estrutural".
Ao invés disso, a pilhagem de um punhado de "inovadores" da Wall Street – bêbados de arrogância e o seu próprio sentido bizarro de direito – empurrou os mercados financeiros para a beira da catástrofe e levou a economia "real" mais vasta rumo a uma penosa retracção. Agora todos pagarão pela cobiça de uns poucos.
Então, o que se segue?

Um artigo no Financial Times fala francamente, mas responsáveis do governo sem dúvida negarão isto até que a eleição presidencial de Novembro esteja ultrapassada.

Do Financial Times:
"O debate sobre se é necessário um veículo estilo RTC (Resolution Trust Corporation) – talvez apenas para circunscrever activos hipotecários em perturbação – também ganhou movimento entre banqueiros centrais no simpósio Jackson Hole patrocinado em Agosto pelo Federal Reserve Bank de Kansas City...

"O problema de que um veículo RTC poderia ajudar a resolver é que há muito poucos compradores para activos hipotecários em perturbação, e poucos investidores agora querem injectar capital fresco nos balanços estilhaçados dos bancos que os possuem. Em resultado disso, bancos tais como o Lehman e o Washington Mutual têm lutado para vender as suas ácidas carteiras de acções, e para arranjar negócios a fim de obter capital fresco. As tomadas da Fannie e do Freddie, as quais virtualmente liquidaram os possuidores de acções preferenciais, também tornaram o acesso dos bancos ao mercado de capital preferencial cada vez mais difícil. Através de uma nova RTC, o governo poderia proporcionar apoio financeiro se necessário em troca de uma participação em lucros potencial quando os activos fossem liquidados".
O que os Feds se recusam a admitir é que já há um plano para tornar o governo um parceiro "accionista" activo de bancos comerciais em vias de fracasso. (Não há maneira de o FDIC poder pagar por todas as perdas projectadas de qualquer forma) Isto dará ao Tesouro dos EUA a autoridade para proporcionar a bancos insolventes bastante capital para saírem dessa trapalhada de alguma forma enquanto os seus activos debilitados são liquidados através do RTC, uma morgue para o agónico lixo apoiado por hipotecas.

Como isto afectará o dólar já anémico é algo que ninguém adivinha. Mas não será bonito.
Mike Whitney
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

Sem comentários: