Brevemente, pela extensão dada ao Estado, o exercício da autoridade ultrapassa as forças de um homem. O príncipe faz¬ se então assistir pelos seus conselheiros, oficiais ou ministros, escolhidos por ele e que agem no seu sítio e lugar, como seus mandatários e investidos de poderes em rela¬ção ao povo. Da mesma forma que o príncipe que representam, esses enviados, sátrapas, procônsules ou prefeitos, acumulam no seu mandato todos os atributos da autoridade. Mas subentende¬ se que devem contas da sua gestão ao monarca seu chefe, no interesse e nome do qual governam, do qual recebem a directiva, e que faz com que os vigiem de modo a asse¬gurar¬ se sempre da posse da autoridade suprema, da honestidade do comando, dos benefícios do Estado, e para se preservar de qualquer usur¬pação e de toda a revolta. Quanto à nação, não tem o direito de pedir contas e os agentes do príncipe não têm que lhas dar. Neste sistema, a única garantia dos súbditos reside no interesse do soberano, que, de resto, não reconhece lei que não seja a do seu bel prazer.
No regime comunista, as formas de governo são as mesmas, quer dizer que o Poder é exercido indivisamente pela colectividade social da mesma maneira que o era antes pelo rei sozinho. Era assim que nos campos de Maio dos Germanos o povo inteiro, sem distinção de idade nem de sexo, deliberava, julgava; era assim que os Cimbrosf) e os Teutõesg), acompa¬nhados das suas mulheres, combatiam contra Mário: sem qualquer conhe¬cimento de estratégia ou de táctica para que lhes serviriam generais? É por um resto desse comunismo que em Atenas os julgamentos de crime eram feitos pela totalidade dos cidadãos; é por uma inspiração do mesmo género que a República de 1848 tinha novecentos legisladores, lamentando não poder reunir na mesma assembleia os dez milhões de eleitores, foi preciso contentar- se com o escrutínio. Os projectos de legislação directa, pelo sim e pelo não, propostos hoje em dia, saíram daí.
As formas de estado liberal ou democrático correspondem igualmente ao princípio de formação e à lei de desenvolvivento desse estado; conse¬quentemente, elas diferem radicalmente das da monarquia. Consistem em que o Poder, em lugar de ser colectiva e indivisamente exercido como na comunidade primitiva, está repartido pelos cidadãos, o que é feito de duas formas. Se se trata de um serviço susceptível de ser materialmente divi¬dido, como a construção de uma estrada, o comando de uma frota, o poli¬ciamento de uma cidade, a instrução da juventude, reparte¬ se o trabalho por secções, a frota por esquadras ou mesmo por navios, a cidade por quarteirões, o ensino por classes, para cada uma das quais se esbabelece um empreiteiro, comissário, almirante, capitão ou mestre. Os Atenienses tinham o hábito nas suas guerras, de nomear dez ou doze generais cada um dos quais comandava um dia rotativamente: costume que parece hoje em dia muito estranho; mas a democracia ateniense não concebia doutra forma. Se a função é indivisível, deixa¬ se inteira, e, ou se nomeiam diver¬sos titulares, apesar da regra de Homero que diz que a pluralidade de comando é uma coisa má: é por isso que onde nós só enviamos um embai¬xador, os antigos expediam uma companhia; –ou então contentamo¬ nos para cada função com um só funcionário que se lhe dedica e faz dela pouco a pouco a sua profissão, a sua especialidade: o que tende a intro¬duzir no corpo político uma classe particular de cidadãos, a saber, a dos funcionários públicos. A partir desse momento a Democracia está em perigo: o Estado separa¬ se da nação; o seu pessoal torna¬ se quase tal como sob a monarquia, mais devotado ao príncipe que à nação e ao Es¬tado. Em contrapartida, uma grande ideia surgiu, uma das maiores da ciência, a ideia da Divisão ou Separação de Poderes. Graças a esta ideia, a Sociedade toma uma forma verdadeiramente orgânica; as revoluções podem suceder¬ se tal como as estações, no entanto há nela algo que não desaparecerá mais, é esta bela constituição do poder público por cate¬gorias, Justiça, Administração, Guerra, Finanças, Religião, Instrução pública, Comércio, etc.
A organização do governo liberal ou democrático é mais complicada, mais sábia, com uma prática mais laboriosa e menos fulgurante que a do governo monárquico: ela é por conseguinte menos popular. Quase sempre as formas de governação livre foram tratadas como aristocráticas pelas massas, que lhes preferiram o absolutismo monárquico. Daí, a espécie de círculo vicioso no qual rodam e rodarão muito tempo ainda os homens do progresso. Naturalmente é com vista na melhoria das condições das mas¬sas que os republicanos reclamam liberdades e garantias; é portanto sobre o povo que eles devem procurar apoiar¬ se. Ora, é sempre o povo que, por desconfiança ou indiferença das formas democráticas, põe obstáculos à liberdade .
As formas da anarquia são indiferentemente, segundo a vontade de cada indivíduo, e no limite dos seus direitos, as da monarquia ou da demo¬cracia.
Tais são, nos seus princípios e nas suas formas, os quatro governos elementares, dados a priori no entendimento humano, para servir de mate¬rial a todas as construções políticas do futuro. Mas, repito¬ o, esses quatro tipos, se bem que sugeridos pela natureza das coisas ao mesmo tempo que pelo sentimento de liberdade e do direito, não são de modo algum em si mesmos e segundo o rigor das suas leis chamados à realização. São con¬cepções ideais, fórmulas abstractas, a partir das quais vão constituir¬ se empírica e intuitivamente todos os governos de facto, mas que eles pró¬prios não saberão passar ao estado de factos. A realidade é complexa por natureza; o simples não ultrapassa o ideal, não chega ao concreto. Nós possuímos nestas fórmulas antitéticas os dados de uma constituição regu¬lar, para a futura constituição da humanidade; mas é preciso que passem séculos, que uma série de revoluções se desenrolem, antes que a fórmula definitiva se separe do cérebro que a deve conceber, e que é o cérebro da humanidade.
f) Povo oriundo, segundo alguns historiadores, dos Germanos, e segundo outros dos Celtas. Para ocidente algumas das suas ramificações chegaram à Gália. (N.T.)
g) Refere-se aos Alemães e à Alemanha. Os cavaleiros Teutónicos desempenharam pa¬pel relevante nas cruzadas. (N.T.)
17 O que é importante reter, é que os governos se distinguem pela sua ESSÊNCIA, e não pelo título dado ao magistrado. Assim, a essência da monarquia está na indivisão
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