Tópicos duma definição

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Biocombustíveis e transgénicos

Todas as empresas que produzem cultivos transgénicos — Syngenta, Monsanto, Dupont, Dow, Bayer, BASF — tem investimentos em cultivos concebidos para a produção de biocombustíveis, como o etanol e o biodiesel. Têm, além disso, acordos de colaboração nesta rubrica com transnacionais como a Cargill, Archer, Daniel Midland, Bunge, que dominam o comércio mundial de cereais. Na maioria dos casos, a investigação está voltada para a obtenção de novos tipos de manipulação genética de milho, cana de açúcar, soja, dentre outros, convertendo-os em cultivos não comestíveis, o que aumenta dramaticamente os riscos que por si sós já implica a contaminação transgénica. À escala mundial, empresas e governos estão a fazer uma intensa campanha para apresentar os biocombustíveis como alternativas ambientalmente amistosas que ajudariam a combater as alterações climáticas [1] , a substituir uma parte do consumo de petróleo destinado a combustíveis para transportes. Mas a lógica de fundo não é abandonar o petróleo nem mudar os padrões de consumo que produzem a mudança climática e sim aproveitar a conjuntura para criar novas fontes de negócios, promovendo e subsidiando a produção industrial de cultivos para essa finalidades. Já existem estudos que mostram que os cultivos industrias de biocombustíveis colocam muitos problemas. Brian Tokar, do Instituto de Ecologia Social de Vermont, Estados Unidos, dá conta de duas análises recentes das universidades de Cornell e de Minnesota que mostram que o ciclo completo da produção de biocombustíveis deixa uma saldo ambientalmente destrutivo. Uma vez que o processamento destes cultivos exige uma quantidade significativa de energia, o saldo energético final é muito limitado. Mesmo que os biocombustíveis substituam em alguma percentagem a utilização do petróleo, necessitam-se grandes áreas de produção agrícola industrial intensiva, incrementando o uso de agrotóxicos que provocam erosão e contaminam o solo e a água, além de retirar essas áreas à produção de alimentos. Segundo o investigador Lester Brown (citado por Tokar), "agora são os automóveis, não as pessoas, os que demandam a produção anual de cereais. A quantidade de grãos que se exigem para encher o reservatório de uma camioneta SUV com etanol é suficiente para alimentar uma pessoa durante um ano". A produtoras de transgénicos vêem nisto tudo uma excelente oportunidade para aumentar os seus lucros e justificar a manipulação genética como se fosse em benefício ambiental. Os seus investimentos em biocombustíveis incluem o desenvolvimento de cultivos transgénicos com maior conteúdo de açúcares (para converter em etanol), de óleos (para biodiesel) e a inserção de genes que desenvolvem enzimas para facilitar o seu processamento. A Syngenta trabalha em colaboração com a Diversa Corporation a fim de desenvolver um milho que produz por si mesmo uma enzima que o converte em etanol, a qual provém de uma bactéria extremófila que suporta altas temperaturas, tomada da colecção de bactérias que essa empresa recolheu em vários países do mundo. A Diversa tem uma colaboração semelhante com a Dupont, que através da sua subsidiária Pioneer Hi-Bred desenvolve um milho com maior conteúdo de amido e celulose. Para isso estão a utilizar uma enzima que provém de uma bactéria manipulada (Zymomonas mobilis), a qual é encontrada em forma natural no agave. Em ambos os casos, a manipulação genética compromete a utilização do milho como cultivo alimentar, acrescentando riscos aos casos de contaminação que possam ocorrer. Neste contexto, é interessante recordar que até 2001 a Diversa tinha um acordo de "bioprospecção" com o Instituto de Biotecnologia da UNAM para explorar organismos extremófilos e bactérias únicas do México. Este contrato foi suspenso depois de uma ampla coordenação de organizações e personalidades ter iniciado uma acção popular denunciando o contrato como biopirataria. Apesar disto, a Diversa nunca devolveu ao México as amostras que tomou durante a curta duração do contrato. Seria paradoxal que as transnacionais usassem microorganismos extraídos do nosso país para primeiro manipular geneticamente o milho e a seguir tentassem vendê-lo aqui como um produto "ambientalmente amistoso". Lamentavelmente, a iniciativa da Lei para o Desenvolvimento e Promoção dos Bioenergéticos, que ambas as câmaras do Congresso já discutiram, com o aval de todos os partidos, promove este desenvolvimento. A justificação da iniciativa copia os clichés que se repetem na propaganda das indústrias para fomentar esta farsa. Mas, além disso, argumenta-se que isto deveria significar apoios para a produção agrícola em pequena escala. Ou seja, se os camponeses que criaram o milho estivessem dispostos a semear transgénicos com milho não comestível, que cedo ou tarde contaminaria o seu milho nativo, inutilizando-o, dar-lhe-iam apoio oficial. Ou, se fosse com outros cultivos, como a cana de açúcar, teria de qualquer forma de ser a expensas da produção de alimentos nas condições e segundo as exigências das transnacionais dos agronegócios, que comprarão a quem lhes oferecer mais barato em qualquer parte do mundo, para isso promovem-na simultaneamente em muitos países. Ao invés da soberania alimentar, o que promove são mais subsídios para as multinacionais e mais ameaças transgénicas para o milho e para as economias camponesas.
Nota de resistir.info: [1] A expressão é imprecisa pois sempre houve alterações climáticas na história do planeta. Ela é aqui utilizada como um eufemismo para o chamado "aquecimento global". Este último conceito é espúrio: assim como não existe clima global, não existe aquecimento global. As teorias acerca do suposto "aquecimento global" baseiam-se em modelos climáticos altamente discutíveis.
Silvia Ribeiro
http://resistir.info/

Sem comentários:

Enviar um comentário