É incompreensível que o Governo teime em realizar o investimento do TGV, que, além de provocar défices de exploração substanciais, vai agravar significativamente os dois referidos desequilíbrios da economia portuguesa Dentro da lógica de que o investimento público deve liderar a recuperação económica, o actual Governo, mal tomou posse, anunciou que o megaprojecto do TGV ia avançar. Tratando-se de uma decisão sem racionalidade financeira, podemos afirmar que, possivelmente, em nenhum outro momento da história da política económica portuguesa existiu um perigo semelhante de se desperdiçar tanto dinheiro, em prejuízo da economia nacional. A linha de TGV entre Lisboa e Porto é um exemplo evidente de um projecto sem racionalidade económica. Com efeito, existe actualmente em Portugal um comboio pendular que atinge os 240 km/hora, capaz de realizar o trajecto Lisboa - Porto em aproximadamente duas horas. Tal não está ainda a suceder pois esta linha tem deficiências de traçado. Com alguns melhoramentos na parte central da linha, que não custarão mais que 500 milhões de euros, incomparavelmente menos portanto que os seis mil milhões de euros previstos para o TGV, ficaremos com um comboio que chega 20 minutos mais tarde ao destino. Será que esta diferença de tempo impede o desenvolvimento económico do país ? Para termos uma ideia do volume de investimento que implica o TGV, basta referir que um minuto de viagem de TGV custa o equivalente a um grande hospital, e que um minuto de viagem junto a Lisboa ou ao Porto, devido às expropriações que será necessário efectuar, custará o equivalente a dois grandes hospitais. Mas é também indispensável analisar a rentabilidade do projecto. Quando o TGV surgiu no Japão em 1964, no trajecto entre Tokyo e Osaka, ou em França em 1981, no trajecto entre Paris e Lyon, todos os estudos indicaram a necessidade de um tráfego não inferior a 10 milhões de passageiros por ano, para que o projecto não desse prejuízo. Foi o que sucedeu no Japão e em França, onde o TGV transportou até hoje, respectivamente, mais de 6 e de 1.5 biliões de passageiros. Ora os dados distribuídos pelo ministro dos Transportes, Mário Lino, indicam que, na melhor das hipóteses, haverá um tráfego no TGV, entre Lisboa e Porto, de 3 milhões de passageiros/ano . Este é também o problema com o projecto de investimento do TGV entre Madrid e Lisboa, avaliado, na parte portuguesa, em três mil milhões de euros. Com efeito, o total de pessoas que se deslocam por dia entre estas duas cidades é equivalente à capacidade de quatro comboios de TGV . Ora o próprio ministro Mário Lino referiu serem necessários 18 TGV por dia para tornar este investimento rentável. Para quê, portanto, investirmos enormes quantias em projectos que dão prejuízo ? Nos países europeus que têm TGV, e onde o número de passageiros não é suficiente, geram-se significativos prejuízos anuais, normalmente absorvidos pelos orçamentos do Estado. É o que sucede em Espanha, no trajecto Madrid - Sevilha, onde os custos da construção e utilização da linha não são suportados pelo TGV mas sim pelo Orçamento do Estado. Se assim não fosse, esta linha daria um enorme prejuízo. A linha de TGV Madrid - Valência é explorada pela RENFE, mas o Estado espanhol assumiu, em 2004, dívidas de 3,7 mil milhões de euros desta empresa, relacionados em grande parte com a construção desta linha, que a empresa não tinha capacidade de pagar. O TGV espanhol tem, portanto, provocado enormes prejuízos, apesar de Espanha ter uma população muito superior à portuguesa. O principal problema da economia portuguesa é actualmente o excesso de despesa, geradora de dívida externa e de défice orçamental. É assim incompreensível que o Governo teime em realizar o investimento do TGV, que, além de provocar défices de exploração substanciais, vai agravar significativamente os dois referidos desequilíbrios da economia portuguesa. Esta é a questão central que deve levar o Governo a concluir que não é o momento de realizar o investimento do TGV.
Alexandre Patrício Gouveia
Alexandre Patrício Gouveia
EXPRESSO 1DEZ06
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