O Bernardo Motta apontou que «em grego, "pistis" (fé) é um termo bem diferente de "gnosis" (conhecimento).» Em Português também. Feliz coincidência. Assim não precisamos continuar a conversa em Grego.
Eu propus que a verificação independente permite distinguir o conhecimento da mera crença. O Bernardo retorquiu que:
«eu faço a "verificação independente" da justeza e veracidade da minha fé por intermédio de operações intelectuais.»
É como fazer eu próprio a verificação independente da minha declaração de impostos. Será que a DGCI vai na conversa? Por verificação independente quero dizer mesmo isso. Independente. Se o aluno diz que sabe a matéria, o professor verifica. Se um cientista propõe uma hipótese, outro cientista verifica. Independentemente. E nunca por mera operação intelectual. Algures, alguma ideia será confrontada com alguma observação, senão não se verifica nada. Aposto que em Grego «verificar» e «olhar para o umbigo» também são termos diferentes.
É verdade que poucas vezes precisamos desta verificação independente. Quando consultamos o horário do autocarro ou compramos bolachas basta-nos comparar crenças com observações e rever as primeiras se necessário. Não precisamos que outros confirmem cada inferência que fazemos. Mas quando há empenho pessoal numa certa conclusão, seja nos impostos, passar no exame, publicar o artigo, ou em matéria de fé, é provável que factores subjectivos guiem crenças e afirmações e as afastem da realidade. Nestes casos é importante testar a crença de uma forma independente.
A ciência é exímia nisto. A linguagem rigorosa e a tradição de crítica livre promovem uma actividade colectiva que ultrapassa as limitações individuais de cada cientista. A religião faz o contrário. Criticar ou duvidar é repreensível, e a linguagem religiosa é propositadamente ambígua. Ou mesmo incompreensível. È mafaguinhos por todo o lado, palavras sem sentido.
Um leitor («kota») comentou que «para mim todas as palavras que referiu têm sentido, referem algo, quer exista ou não, quer seja explicável ou não». É verdade que mafaguinhos pode ter sentido para um, deus pode fazer sentido para outro. Mas o sentido da palavra como meio de comunicação – para transmitir informação de uma pessoa para outra – tem que ser o sentido partilhado por ambas as partes, e não o sentido «para mim». De nada serve que «mafaguinho» tenha um sentido para mim se os outros não lhe dão o mesmo sentido.
«Gato» pode ter sentidos diferentes de pessoa para pessoa, mas podemos apontar para um gato e dar um sentido consensual à palavra. «Encarnado» refere uma sensação subjectiva que não sabemos se todos partilham da mesma forma (será que o meu encarnado é o vosso verde?), mas mesmo assim podemos chegar a um núcleo de sentido que partilhamos: «encarnado» é o que se sente ao ver este pigmento, ou quando esta luz incide no olho, ou se estimulam estes receptores da retina ou esta zona do córtex. Mesmo palavras como «justiça» e «amor» têm algum sentido que é partilhado por todos que as usam.
Mas «deus» é mesmo uma palavra mafaguinho. Para os teístas é uma pessoa que se preocupa, que perdoa ou castiga, que se zanga ou se alegra, que ama ou odeia. Para os deístas é o relojoeiro que deu corda ao universo e agora não liga a nada ou ninguém. Para os panteístas é tudo. Para Einstein era a elegância da relatividade. Para Hawking a complexidade da mecânica quântica. Mas não há nada em comum entre todos os estes usos da palavra. Dizer «deus» dá tanta informação como dizer «mafaguinho».
O mesmo se passa com espiritual, sagrado, revelado, e todas essas palavras que as religiões usam para se definir. São inúteis para comunicar ideias concretas pois nunca se sabe ao certo o que querem dizer. E é por isso que abundam na doutrina religiosa.
Por Ludwig Krippahl
http://ktreta.blogspot.com/
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