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quarta-feira, março 28, 2007

A Vantagem Evidente do Incumprimento dos Programas de História

Passado o bruááásobre a designação de Salazar como O Maior dos Portugueses de Todos os Tempos e Mais Alguns (na verdadeira dimensão das palavras, terá sido um moçambicano, mas…), decidi ir espreitar os dados da sondagem encomendada com todos os quesitos “científicos - apesar das limitações que bem sabemos que estas coisas também têm - sobre o mesmo tema à Eurosondagem e disponível no site da RTP.
Ora bem, fiquei mais descansado porque na sondagem o meu Afonso Henriques lá ganhou, seguido do Camões e do Infante D. Henrique. Cunhal e Salazar na metade baixa da tabela e tudo parece quase normal.
Depois fui ver os vários quadros com o desdobramento dos dados por sexo, região, idade, etc, etc, e deparei na página 12 com um quadro que me despertou a atenção e me fez ver tudo isto a uma nova luz.
Se repararem bem nesse quadro, são os mais novos (14-24 anos) que votam maioritariamente nas figuras “históricas” do passado mais remoto com destaque para os ditos Afonso Henriques e Camões, enquanto os mais velhos são os que optam mais por Salazar e Cunhal. A variação nos outros seis candidatos é claramente menor.
Ora isto fez-me puxar a brasa à minha sardinha académica e profissional e achar que a explicação para isto está na forma como os programas de História estão concebidos, na dificuldade de os dar na totalidade e no sacrifício que normalmente é feito na parte relativa à História mais próxima.
Eu explico melhor: depois das pinceladas dadas no 1º ciclo, na disciplina de História e Geografia de Portugal, a Fundação da Nacionalidade e os Descobrimentos dão-se sem grandes dramas no 5º ano; se necessário for completar um pouco o século XVI, usa-se uma parte do 6º ano. Mas dá-se. Já o final do século XX, em especial aquela parte final do Estado Novo e o 25 de Abril é muitas vezes dada algo apressadamente e a miudagem fica com uma ideia demasiado acelerada e pouco detalhada de quem era afinal o Salazar e do Cunhal nem ouve falar.
No 3º ciclo, as matérias que envolvem o Afonso Henriques, o Camões e o D. Henrique voltam a dar-se, normalmente entre o final do 7º ano e inícios ou meados do 8º ano, conforme os acidentes de percurso. Já no 9º ano é muitas vezes necessário recuperar conteúdos em atraso e o século XX é de novo dado de forma algo amputada. Pode não ser sempre assim, mas acontece muitas vezes que, por causa das provas globais (que agora já podem ou não existir) e dos exames, se dê a matéria ali até ao final da 2ª Guerra Mundial, a fundação da ONU e eventualmente a Guerra Fria, mas fica quase sempre de fora - salvo quando os docentes aproveitam o tema para assinalar a passagem do 25 de Abril - a segunda metade do século XX. O que, pelos vistos, tem insuspeitadas vantagens até eu ler a dita sondagem.
Porque a malta nova parece reter muito melhor a informação dada e repetida com calma sobre os tempos mais remotos do que aquela que corresponde à História mais recente. Isso explicaria porque são os mais novos a admirar figuras mais vetustas, enquanto os mais velhos preferem escolher figuras mais recentes e suas contemporâneas, abdicando da História propriamente dita.Por isso há esperança. E a esperança surge de onde menos se espera. Do incumprimento dos programas de História, resultado da sua deficiente organização e da profunda falta de carga horária semanal para conseguir despachar todo o programa a tempo e horas.
O que, de algum modo, salva a juventude de alguns males. De Salazar, por exemplo, que acaba por surgir quase só como um Ministro das Finanças algo fanático com as contas, mas não muito mais do que isso. E porque os programas, em especial do 9º ano, enveredam pela associação do Estado Novo aos movimentos nazi-fascistas dos anos 20 e 30 na Europa, a especificidade do salazarismo não é sublinhada e a figura de Salazar passa mais despercebida do que se esperaria.
Portanto, e contrariando completamente a intelequetual Clara Ferreira Alves, a vitória de Salazar no concurso não é sinal nenhum de ignorância. A clara derrota de Salazar na sondagem é que é esse sinal de ignorância. Na forma como está, a organização curricular do Ensino Básico protege a nossa juventude de conhecer Salazar e reter informação relevante sobre ele, comparativamente a outras figuras da nossa História.
Só pode ser assim. Porque a hipótese contrária apontaria para um bom trabalho dos docentes de História que educaram estes jovens dos 14 aos 24 anos, fazendo-os perceber a importância relativa de cada período e o papel de cada personalidade histórica.
E isso - bom trabalho e competência dos docentes de História, ou de quaisquer outros - é hipótese que actualmente pouca gente aceita como válida ou se lembraria vagamente de evocar.
http://educar.wordpress.com/

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