segunda-feira, abril 09, 2007

Desvendando a “crise de reféns do Irão”:«Cruel, insensível, desumana e inaceitável»

Carta-aberta ao ministro britânico das Finanças, Gordon Brown


Caro Sr. Brown,

Quando estava no Afeganistão, V. qualificou a detenção dos quinze soldados da Marinha britânica, que aparentemente se extraviaram em águas territoriais iranianas, como «cruel, insensível, desumano e inaceitável». É extraordinário. Se o compararmos com o comportamento das tropas britânicas e dos EUA, o tratamento que eles estão a receber no Irão parece-se com o de uma estância termal.

«Cruel, insensível, desumana e inaceitável» é a destruição total do país que vocês estão a ocupar. A morte pelo calor de milhares de prisioneiros, detidos em camiões metálicos fechados em pleno verão sufocante, sob os olhares e muito possivelmente às mãos dos nossos aliados estadunidenses (há muitas versões diferentes). É o bombardeamento de aldeias, umas atrás das outras, de festas de casamento e de funerais, de pastores de cabras, camponeses, pastores de ovelhas. É a transformação do país num pesadelo radioactivo, onde as famílias em fuga das casas bombardeadas foram encontradas a viver em crateras contaminadas e com sinais evidentes de envenenamento radioactivo, como informou o Projecto de Investigação do Metal Urânio, com sangramentos em todos os orifícios do corpo e outros terríveis sintomas relacionados.

«Cruel, insensível, desumana e inaceitável» é a prisão que existe na base aérea de Bagram, no Afeganistão, para onde são levadas pessoas raptadas e onde desaparecem, são forçadas a usar fraldas, de olhos vendados e levadas de avião para Guantánamo, «o gulag dos nossos dias» como lhe chama a Amnistia Internacional. Sem culpa formada e sem julgamento, com raros contactos com advogados, são aí deixados a apodrecer, entre sessões de tortura.

«Cruel, insensível, desumana e inaceitável» são Abu Ghraib e as dezenas de outras prisões por todo o Iraque, que floresceram com a “libertação”, onde definham os desaparecidos, por entre episódios de afogamento (mantidos de cabeça dentro de água até quase sufocarem), completamente despidos, ameaçados com cães enraivecidos, com objectos inimagináveis metidos pelos orifícios do corpo («Precisamos de electricidade nas nossas casas, não nos nossos ânus», disse um dos raros prisioneiros libertados.)

«Cruel, insensível, desumano e inaceitável» é o comportamento das tropas britânicas em Bassorá, correndo com os miúdos das ruas e espancando-os. É içar um pobre homem dentro duma rede com um guindaste. É espancar até à morte, durante dois dias, um jovem trabalhador de um hotel. Apesar de, como de costume, os tribunais britânicos verem nisso sempre o mesmo culpado. Outras mortes foram ficando sem designação dos culpados por elas. Talvez os iraquianos tenham começado a auto-espancar-se até à morte.

«Cruel, insensível, desumano e inaceitável» é os soldados aliados violarem mulheres, pilharem e demolirem casas, atropelarem crianças nas ruas se lhes parecerem aprendizes de “terroristas”. É a violação em grupo de uma criança chamada Aber, que depois foi assassinada e queimada com o resto da família. São os relatos de cadáveres pendurados à volta dos tanques em Faluja e dos tarados que andam a tirar massa encefálica dos corpos de iraquianos, que depois exibem como troféus. É o envio de fotografias patéticas de iraquianos mutilados, mortos e queimados para sites pornográficos em troca de acesso gratuito a outras imagens vergonhosas da mesma espécie.

«Cruel, insensível, desumano e inaceitável» é o abandono de residentes britânicos em Guantánamo e no Iraque, o facto recentemente noticiado de que uma das torturas consistia em acorrentar prisioneiros a armações de camas aferrolhadas às paredes (o exército dos EUA certamente dá emprego a alguns psicopatas impressionantes). São as 650.000 a 900.000 mortes não naturais de iraquianos às mãos ou sob o olhar dos “libertadores” (e isto são os números do ano passado). São os 4 milhões que se sabe terem fugido dos sítios onde viviam e que estão deslocados dentro do Iraque. São os iraquianos, e os seus companheiros palestinianos, que, de dia em dia, não sabem quando serão expulsos dos países que os recebem.

«Cruel, insensível, desumana e inaceitável» é a destruição de uma sociedade civil inteira, o linchamento dos seus líderes legítimos, a destruição de Bagdade, a Paris do século nono, e da história da humanidade. É a declaração, em Junho passado, de Colleen Graffy, vice-subsecretária de Estado dos EUA para a Diplomacia Pública, desprovida de qualquer vestígio de humanidade, acerca de três prisioneiros que, perdida qualquer esperança, se suicidaram em Guantánamo por não suportarem mais torturas e grilhões: «a good PR move» [«uma boa jogada de relações públicas»).

«Cruel, insensível, desumano e inaceitável» são 13 anos de sanções que terão custado um milhão e meio de vidas humanas, impostas pelos EUA e pelo Reino Unido. Seguidas por uma invasão ilegal, uma guerra de agressão, e por isso o “crime supremo” segundo os princípios de Nuremberga, pelo qual cresce a exigência de que os seus responsáveis sejam julgados. Esses soldados da Marinha e os seus outros colegas também poderiam ser julgados.

«Cruel, insensível, desumana e inaceitável», posso eu informar, é a recusa dos diplomatas dos ministérios britânicos dos Estrangeiros e da Commonwealth de falarem com os presumíveis raptores de Margaret Hassan, que por três vezes ligaram para o marido dela a partir do seu telemóvel. É a recusa do pedido do irmão de Ken Bigley para que se procurasse Ken por meio dos satélites dado ele ter uma perna reconstruída com titânio – e o titânio é facilmente detectável pelos satélites, que abundam nos céus do Iraque.

Finalmente, vale a pena visitar o site do seu ex-embaixador no Uzbequistão, Craig Murray (www.craigmurray.co.uk), também ex-responsável marítimo do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Commonwealth. Diz ele: «A fronteira marítima Irão-Iraque mostrada no mapa do governo britânico não existe. Foi desenhada pelo governo britânico… (é) um mapa falso». Santo Deus! mais um “dossiê espertalhão” ?

Oh, e «cruel, insensível, desumano e inaceitável» comportamento será, se a arrogância e a intransigência da Grã-Bretanha tiver como resultado serem os soldados da marinha maltratados por muito tempo. O Irão ofereceu se para libertar Faye Turney e de novo a linguagem imoderada do governo britânico estragou tudo. Uma enorme vergonha diplomática. Mais uma vez, um governo que não está à altura das circunstâncias – de quaisquer circunstâncias.

Felicity Arbuthnot, que vive em Londres, é uma jornalista independente que visitou 26 vezes o Iraque desde a Guerra do Golfo de 1991. Trabalhou como directora de documentação no filme de Pilger Paying the Price – Killing the Children of Iraq, que investigou as consequências devastadoras das sanções da ONU para o povo do Iraque. O título do filme refere-se a uma afirmação da então Secretária de Estado (MNE) dos EUA, Madeleine Albright, em 1996, de que a morte de cerca de meio milhão de iraquianos por causas relacionadas com o embargo era “um preço caro, mas um preço que vale a pena”. (n. trad.)
Felicity Arbuthnot
Global Research; retirado de TMI-AP
http://www.infoalternativa.org/europa/e077.htm

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