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domingo, fevereiro 20, 2011

O país e as faquinhas de barrar


Uma certa marca de manteiga oferece, em cada embalagem, uma faquinha. As faquinhas têm cabos coloridos, verdes, azuis, etc. Permitem fazer conjuntos de uma só cor ou de cores diferentes. Podem usar-se para barrar manteiga, paté, queijo, doces vários em pão fresco, tostas, bolachas... Não ficam nada mal numa mesa do dia-a-dia ou de visitas mais chegadas.

E, melhor do que tudo, não tendo código de barras, podem, com discrição, separar-se da embalagem de manteiga, bastando rasgar-se um auto-colante que as segura, e guardarem-se algures, no bolso ou na carteira… Ficam a preço zero, não custam nada!

A avaliar pela quantidade de embalagens de manteiga a que falta a faquinha, no supermercado onde vou, deduzo que este seja o raciocínio de muita gente que por lá se passeia.

Uma coisa sem importância absolutamente nenhuma, dirão os leitores. Talvez... Mas, não deixo de pensar que pode ser uma coisa importante, uma coisa que (mesmo que apenas e só no domínio do simbólico) explique porque é que, como país, toleramos, nas palavras de Salgueiro Maia, “o estado a que chegámos” na política, na economia, na saúde, na educação… porque é que toleramos as imposturas com que nos deparamos todos os dias, porque é que toleramos os múltiplos discursos falaciosos, porque é que toleramos o óbvio retrocesso nos direitos humanos básicos, porque é que toleramos as pessoas que sabemos desonestas, porque é que toleramos a humilhação dissimulada, o permanente controlo, porque é que toleramos quem sorri elegante e manipulativamente... E, sobretudo, porque é que não toleramos de maneira nenhuma quem nos apresenta claramente a verdade, quem nos aponta caminhos que nos desviem dos vários abismos que vemos à nossa frente, ou ao nosso lado...

Num país em que se destacam da embalagem de manteiga faquinhas de barrar ainda teremos capacidade para perceber o que significa destacar da embalagem de manteiga faquinhas de barrar?

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