quarta-feira, novembro 23, 2005

EDUCAÇÃO OU RETÓRICA

De todos os ministérios do governo português o mais retórico desde sempre, e este “desde sempre” refere-se a após 74 é o ministério da educação ( é intencionalmente que escrevo “educação” com letra pequena). Talvez que isto não aconteça por acaso quando pensamos o quanto é útil a manipulação das mentes por parte do poder central.
Esta reflexão vem a propósito de dois documentos que foram postos a circular pelo ministério através da comunicação social, que é sempre correia de transmissão nestas actividades, apesar de só terem chegado às escolas dois meses depois da comunicação social lhes fazer referência. Trata-se do projecto de autonomia e gestão das escolas e do projecto de diploma relativo ao regime disciplinar dos alunos.
Vamos somente fazer algumas alusões, até para que o leitor não fique mal disposto daquilo que terá oportunidade de ler e que os jornais apesar das indicações espalhafatosas não mostraram e muito menos comentaram.
Comecemos pelo documento sobre o regime disciplinar dos alunos. No artigo 14º intitulado “Qualificação do Comportamento” diz-se no seu ponto 1 que “O comportamento que se traduza no incumprimento de dever geral ou especial do aluno pode ser qualificado de leve, grave ou muito grave, nos termos dos números seguintes.” para depois no número 3 alínea d) dizer que é considerado grave “a agressão física a qualquer elemento da comunidade escolar”. Mais à frente no ponto 4 alínea a) diz-se que é considerado muito grave “ a danificação intencional das instalações da escola ou de bens pertencentes a qualquer elemento da comunidade escolar, perpetrada com violência ou de que resulte prejuízo particularmente elevado” ( itálico meu).Penso que está claro, antes de o dizer, a ignomínia presente. Para o ministério da educação é mais grave a danificação do material escolar do que a agressão a um professor ou a um funcionário. Este regime disciplinar pretende fundamentalmente garantir que os bens do Estado instalados nas escolas não possam ser deteriorados sem a contrapartida duma garantida substituíção. Não se está a pôr em causa o princípio que “quem estraga deve pagar” mas sim o facto dessa ser a preocupação principal do ministério que vem no meio dum diploma que “entende a intervenção disciplinar como inequivocamente subordinada a critérios educativos e partilhada com a família”. Quando na apresentação do projecto se diz que o objectivo é “construir uma escola de qualidade, capaz de garantir a todos o direito à educação e a uma justa e efectiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares” isto são palavras sonantes mas que na prática não é mais do que blá blá.
No que respeita ao projecto de gestão e autonomia das escolas uma leitura atenta do documento deixa-nos completamente revoltados ou hilariantes consoante a disposição com que se leia o texto.senão vejamos: No seu artigo 2º intitulado “Autonomia” diz-se que “Autonomia é a capacidade reconhecida pela administração educativa à escola, conferindo-lhe o poder de tomar decisões nos domínios estratégico, pedagógico, administrativo, financeiro e organizacional, no quadro do seu projecto educativo e em função das competências e dos meios que lhe estão consignados.”Só este texto nos dá direito a imensas reflexões que tentaremos sintetizar. Poderíamos começar observando que este artigo fala em “domínio estratégico”, sem no entanto o definir. Várias chalaças nos vêm à cabeça sobre o sentido de ”estratégico”. Mas mais importante do que isso é o facto de também estar referido a questão financeira, só que lendo todo o documento não há mais nenhuma alusão à questão dos dinheiros. Significativo não é? O próprio artigo nº2 continua falando do regulamento interno da escola, do plano anual de actividades, do projecto educativo, mas nada em relação à questão financeira. Perguntamos nós. Que raio de autonomia é esta, se continua a existir uma total dependência financeira das escolas em relação ao ministério? Portanto este texto só consagra a questão da autonomia das escolas em relação a tudo o resto. Mesmo assim já não era mau, pois não? Mentira! Nem isso está consagrado. Um dos documentos mais importantes pelo qual a escola se rege e que define entre outras coisas os direitos e os deveres das pessoas envolvidas na comunidade escolar, é o regulamento interno. Ora o artigo 57º é sobre o primeiro regulamento interno, onde se diz que “ é aprovado em cada escola, nos 90 dias subsequentes à data da entrada em vigor do presente diploma, um primeiro regulamento interno, através da constituição de uma assembleia”. Até aqui parece ser a questão mais ou menos pacífica. Mas no número 2 do mesmo artigo é dito que “o projecto de regulamento referido no número anterior é elaborado por uma comissão constituída em cada escola por iniciativa dos directores regionais de educação, em articulação com os respectivos orgãos de administração e gestão”. ( itálico meu) Tudo está condicionado à vontade e disposição dos homens de confiança do ministério (os directores regionais) que terão a “iniciativa” de todo o processo. A organização do processo eleitoral para a assembleia ( onde estão representados as forças da escola) é assegurada pela comissão, ou seja mais uma vez por iniciativa dos directores regionais. Este projecto de diploma para a gestão e autonomia das escolas não tem nada de autonómico e tem tudo de centralista, embora mais uma vez todo o documento esteja eivado de expressões que apontam para outro sentido. Daí a retórica que falavamos no início deste artigo. É importante uma presença de espírito sempre crítica, para não nos deixarmos embalar por discursos deste tipo, que o poder centralista cultiva constantemente e a maior parte das vezes com sucesso.

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