quinta-feira, julho 27, 2006

A resposta do Hezbollah revela meses de planeamento

Será chamado o massacre de Marwaheen. Todos os civis mortos pelos israelitas tinham recebido ordem dos próprios israelitas para abandonarem as suas casas nessa povoação fronteiriça umas horas antes. Vão-se embora, disseram-lhes pelos alto-falantes, e assim o fizeram, 20 deles num comboio de automóveis civis. Foi então que chegaram os caças israelitas para bombardeá-los, matando 20 libaneses, pelo menos nove deles crianças. A brigada local de bombeiros não pôde apagar os fogos que ardiam naquele inferno. Outro alvo “terrorista” tinha sido eliminado.
Ontem, os israelitas até produziram mais alvos “terroristas” – postos de gasolina do vale de Bekaa, por todo o caminho até à cidade fronteiriça de Hermel, no norte do Líbano, e outra série de pontes numa das poucas rotas de escape para Damasco, desta vez entre Chtaura e a povoação fronteiriça de Masnaa. O Líbano, como de costume, pagava o preço pelo conflito Hezbollah-Israel – como o Hezbollah sem dúvida calculou que pagaria quando cruzou a fronteira israelita na quarta-feira e capturou dois soldados israelitas perto de Marwaheen.
Mas quem está realmente a ganhar a guerra? Não o Líbano, pode-se dizer, com os seus mais de 90 civis mortos e a sua infra-estrutura destruída incessantemente em centenas de ataques aéreos israelitas. Mas está Israel a ganhar? O ataque com míssil de sexta­‑feira à noite a um navio de guerra israelita, frente à costa libanesa, sugere outra coisa. Quatro marinheiros israelitas foram mortos, dois deles lançados ao mar quando um míssil teleguiado de fabrico iraniano embateu na sua canhoneira Hetz frente a Beirute, ao anoitecer. Os libaneses que tinham suportado o fogo de canhoneiras israelitas ao longo de muitos anos estavam eufóricos. Podiam não ter simpatizado com o Hezbollah – mas detestavam os israelitas.
Só agora, no entanto, começa a emergir um quadro mais autêntico da batalha pelo Sul do Líbano, e é uma história fascinante e assustadora. O cruzamento de fronteira inicial, a captura dos dois soldados e a morte de outros três foram planejados, de acordo com Hassan Nasrallah, o líder do Hezbollah que escapou ao assassinato pelos israelitas na sexta-feira à noite, há mais de cinco meses. E o ataque de sexta-feira com míssil à canhoneira israelita não foi a inspiração de último minuto de um membro do Hezbollah que acabasse de ver o navio de guerra.
Agora parece claro que os líderes do Hezbollah – Nasrallah era o comandante militar da organização no sul do Líbano – avaliaram com cuidado os efeitos do seu cruzamento de fronteira, confiando na crueldade da resposta de Israel para aplacar qualquer crítica à sua acção no interior do Líbano. Estavam certos no seu planeamento. A retaliação israelita foi ainda mais cruel do que imaginavam alguns líderes do Hezbollah, e os libaneses rapidamente silenciaram toda a crítica ao movimento guerrilheiro.
O Hezbollah tinha presumido que os israelitas entrariam no Líbano após a captura dos dois soldados e rebentaram o primeiro tanque Merkava israelita quando se tinha adentrado apenas 10 metros no país. Todos os quatro tripulantes israelitas foram mortos e o exército israelita não avançou mais. Os mísseis de longo alcance, de fabrico iraniano, que mais tarde explodiram em Haifa, tinham sido precedidos há apenas algumas semanas atrás por um avião não tripulado do Hezbollah, o qual vistoriou o norte de Israel e depois voltou para aterrar no leste do Líbano após ter tirado fotografias durante o seu voo. Estas fotografias não só sugeriram uma rota de voo para os foguetes do Hezbollah contra Haifa; também identificaram o centro de controlo aéreo militar ultra­‑secreto de Israel em Miron.

O ataque seguinte – ocultado pelos censores israelitas – foi dirigido contra essa instalação. De nome de código “Apolo”, cientistas militares israelitas trabalham bem no interior de grutas e bunkers na montanha em Miron, resguardados por torres de observação, cães de protecção e arame farpado, supervisionando todo o tráfico aéreo que entra ou sai de Beirute, Damasco, Amã e outras cidades árabes. A montanha está encimada por nichos de antenas que o Hezbollah rapidamente identificou como um centro de rastreamento militar. Assim, antes de lançarem foguetes contra Haifa, enviaram um punhado de mísseis para Miron. As grutas são intocáveis, mas o ataque a um local tão secreto por parte do Hezbollah chocou profundamente os planificadores militares israelitas. O “centro do terror mundial” – ou o que eles imaginem que é o Líbano – não só podia violar a sua fronteira e capturar os seus soldados, mas atacar o centro nevrálgico do comando militar israelita do norte.
Depois vieram os mísseis contra Haifa e o ataque à canhoneira. Está agora claro que esta operação militar bem sucedida – tão desdenhosos do seu inimigo estavam os israelitas que, embora o seu navio de guerra estivesse equipado com um canhão e uma metralhadora Vulcan, nem sequer tinham dotado o navio de capacidade anti­‑míssil – também foi planeada há meses. Logo que apareceram os barcos de classe Hetz, o Hezbollah posicionou uma equipa de lançamento de mísseis na costa de Beirute ocidental, não longe de Jnah, uma equipa treinada durante muitas semanas precisamente para um tal ataque. Levou menos de 30 segundos para que o míssil de fabrico iraniano saísse de Beirute e atingisse o navio em cheio, incendiando-o e matando os marinheiros.
Ironicamente, os próprios israelitas tinham convidado jornalistas para uma viagem “incorporada” na sua marinha apenas umas horas antes – foi­‑lhes permitido filmar as armas dos navios a disparar sobre o Líbano – e, no momento em que o Hezbollah atingiu o navio de guerra, na sexta-feira, a estação de televisão do Hezbollah, Al­‑Manar, começou a mostrar as imagens “incorporadas”. Foi uma astuta peça de propaganda.
Os israelitas proclamavam ontem o facto de o míssil ser de fabrico iraniano como prova da participação do Irão na guerra do Líbano. Foi um estranho raciocínio. Como quase todos os mísseis usados para matar os civis do Líbano nos últimos quatro dias foram fabricados em Seattle, Duluth e Miami nos Estados Unidos, o seu emprego sugere já a milhões de libaneses que os Estados Unidos estão por trás do bombardeamento do seu país.
Robert Fisk

http://infoalternativa.org/autores/fisk/fisk085.htm

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