quinta-feira, agosto 31, 2006

"Ajustamento súbito desregulado", novo eufemismo para colapso

Quão próximos estaremos dele? Que conclusões devemos tirar do crescente coro de temores quanto ao possível colapso do dólar? Será mais um falso alarme?
Esses receios reportam-se a quatro elementos: a declaração de intenções do Irão em abrir brevemente uma Bolsa de Petróleo electrónica internacional; a decisão da venda deste petróleo em euros e não em dólares; a previsão da subida do preço do petróleo acima dos US$100 o barril, disparando assim uma recessão mundial; e, por fim, a utilização de ouro como reserva de valor.
Uma vez que os EUA estão profundamente endividados, tanto interna como externa, o valor do dólar depende inteiramente do facto de ser divisa de reserva de outros países. Todos devemos manter reservas de dólares por duas razões: primeiro porque, segundo o acordo celebrado nos anos 40, todos os países produtores de petróleo da OPEP concordaram em transaccionar petróleo apenas em dólares. Isto significava que todos tinham de possuir dólares se quisessem comprar petróleo, o que fez com que dois terços das reservas dos bancos centrais fossem nessa moeda.
Por sua vez, isto significa que os americanos têm o privilégio de emitir a moeda internacional. Criar moeda é um lindo trabalho. É como ter a Casa da Moeda no quintal. Pode-se comprar o que se quiser com o novo dinheiro sem ter de fornecer o valor equivalente de bens. Os EUA tem financiado o seu défice anual para com o resto do mundo – com empréstimos de mais de 2 mil milhões por dia – através do processo simples de emitir mais moeda e gastá-la na circulação. Eles não poderão fazer isso se não tivermos mais de comprar o petróleo em dólares. O valor da moeda cairia à medida que os países mudassem para outras divisas para comprar petróleo ou para o ouro como valor de reserva confiável. A criação de dólares não estaria mais disponível como mecanismo para cobrir a imensa dívida internacional. Se este processo se despoletasse, assistiríamos a uma espécie de fuga da divisa que arruinou a economia de muitos países na última década. Ainda mais alarmante são as sugestões de que para evitar esta possibilidade o governo americano estar a planear invadir o Irão. O facto de a invasão do Iraque foi antecedia por acusações infundadas de posse de armas de destruição maciça, e de Saddam Hussein ter ameaçado comutar as vendas de petróleo do dólar para o euro, dá crédito a tais receios. O facto de o actual caos no Iraque tê-lo transformado num importador líquido de petróleo não parece desviar a resolução americana. Qual é a prova a prova da possível iminência de um tal cenário? A 5 de Maio a Associated Press citou Bill Grady, analista reconhecido da Wall Street, da A.G. Commodities: "Se algum dia os maiores produtores de petróleo do mundo permitissem, ou pior exigissem, euros pelos seus barris, isso seria equivalente financeiro de um ataque nuclear." A 8 de Maio, um editorial da revista de extrema direita Forbes, escrito pelo apoiante de Bush Jerome Corsi, previa: "Se o Irão também quer ameaçar seriamente a posição do dólar como divisa de reserva dominante, a guerra será quase certa. A bolsa iraniana de petróleo nunca poderá ser mencionada pelos decisores políticos americanos como uma razão oficial para os EUA decidirem ir à guerra contra o Irão, mas pode bem ser a gota de água que fará transbordar o copo." Uma rede britânica para o desenvolvimento sustentável
localsustuk@yahoogroups.com reuniu provas de que este cenário poderá estar próximo. Ela afirma que os media ocidentais até agora têm auto-censurado este assunto – tocando sinais de alarme quando o preço do ouro subiu para quase US$ 700. Num registo de 30 de Abril a Al-Jazeerah afirma que: "Países produtores de petróleo como a Venezuela e alguns dos maiores países consumidores, nomeadamente a China e a Índia, já anunciaram o seu apoio à bolsa iraniana". No artigo "Petro-Euro: realidade ou pesadelo para os EUA", William Clark, especialista americano em títulos da dívida pública, afirma que "se o Irão ameaçasse o dólar no mercado internacional de petróleo, a Casa Branca daria ordem imediata de ataque."
O ouro está agora no seu máximo dos últimos 20 anos em relação ao dólar, e o dólar a um ano de baixa em relação ao euro. O Financial Times de 16 de Maio, sob o título "Receios quanto ao dólar quando bancos centrais vendem activos americanos" relata que "os bancos centrais venderam um total de US$14.4 mil milhões líquidos durante o mês em curso, a maior venda registada desde Agosto de 1998." Na abertura da reunião do FMI, em 21 de Abril, o ministro das Finanças russo declarou que o seu país "não considera o dólar uma moeda de reserva fiável devido à sua instabilidade". Nesse mesmo dia o Riksbank sueco reduziu para metade a sua reserva de dólares para comprar euros. Naquela reunião do FMI foi lançado o 2006 World Economic Outlook (Perpectiva Económica Mundial 2006), advertindo para um colapso do dólar – devido a desequilíbrios do comércio mundial, disparando a dívida americana crescer em espiral e determinando o fim do petro-dólar como padrão de reserva. Na linguagem hermética amada por economistas que desejam disfarçar a verdade, declaram: "Os desequilíbrios globais em transacções correntes provavelmente permanecerão em níveis elevados por mais tempo do que de outra forma teria sido o caso, aumentando o risco do ajustamento súbito desordenado". Este "ajustamento súbito desordenado" é o actual eufemismo dos banqueiros para designar as consequências do colapso do dólar. Outros, como o economista Stephen Roach da Morgan Stanley e os financeiros Soros e Warren Buffet, preferem chamar a este cenário "Armagedão económico". Quão próximos estaremos dele?
Margaret Legum
http://resistir.info/

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