terça-feira, outubro 31, 2006

Nos meandros dos bastidores da ONU

Manhattan em meados de Julho [1993, N. da R.] era sufocante e as ruas estavam invadidas de turistas. Não era o melhor momento do ano para estar em Nova Iorque, mas a reluzente torre de vidro da sede das Nações Unidas parecia chamar-me. Tive que me beliscar para verificar que não estava a sonhar.

Tal como acontece com muitas pessoas que põem os pés pela primeira vez na ONU, a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança impressionaram-me, mas não tardei a descobrir que o verdadeiro trabalho se desenrolava numa série de gabinetes alinhados como caixas em locais interditos ao público. Os mais sinistros e mais exíguos pareciam ser os do Departamento das Operações de Manutenção da Paz, ou DOMP.

O pessoal trabalhava em condições verdadeiramente lastimosas: o mobiliário deixava muito pouco espaço à circulação, os telefones não paravam de tocar, computadores antediluvianos não cessavam de “colapsar” (em alguns casos, os empregados preferiam utilizar velhas máquinas de escrever) e as pessoas não conseguiam obter os mais elementares materiais de escritório. Sem querer insistir excessivamente, o facto é que o DOMP tinha todas as características de uma espécie de local escuso encafuado no 36º piso, fazendo lembrar certos ateliês clandestinos. É possível que o flagrante estado de subequipamento deste departamento fizesse parte da imagem pública que a ONU tentava projectar de modo a contrariar a cólera de certa comunicação social abutre, bem como a dos urubus políticos internacionais prontos a encontrar seja que desculpa for para acusarem o organismo de “esbanjar dinheiro”. Não tardei contudo a reparar que outras agências da ONU, como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) ou o Alto Comissariado para os Refugiados (ACNUR), estavam mais bem instaladas e gozavam de uma melhor qualidade de vida.

Maurice Baril pertencia a um triunvirato que dirigia o DOMP. Os outros membros eram Kofi Annan, o subsecretário­‑geral para a manutenção da paz, e Iqbal Riza, o número dois de Annan e secretário­‑geral adjunto do departamento. A nomeação de Baril, em Junho de 1992, fora celebrada como um golpe de mestre por parte do Canadá, mas o objectivo do major­‑general – a saber, fazer do gabinete uma entidade onde pudessem ser simultaneamente geridas a estratégia e as operações militares – constituía um desafio gigantesco. (...)

É um facto que Maurice Baril implantou um centro de operações cujo pessoal era composto por jovens oficiais brilhantes e dedicados, que trabalhavam dia e noite. Tinha tido necessidade de suplicar às missões permanentes das diferentes nações que lhe emprestassem pessoas suas, e arranjara uma forma de os custos aferentes serem cobertos pelos países de onde elas eram originárias. (...) Começou também a “pedir de empréstimo” oficiais provenientes de missões no terreno, de modo a trazer as suas competências para Nova Iorque, e confiou-lhes a responsabilidade de resolverem os problemas com que deparassem nos locais das operações.

Criou entre este pessoal proveniente das mais diversas paragens uma atmosfera em que reinava o bom humor, em que se levava a bom termo um trabalho perseverante e em que se dava provas de uma notável cooperação, tendo em conta as circunstâncias. No espaço de alguns anos, as missões praticamente triplicaram, atingindo o número de dezassete. Nelas participaram 24.000 soldados provenientes de mais de sessenta países. Isto implicava inacreditáveis problemas de logística, deontologia e formação, e era tudo administrado a partir de Nova Iorque, com meios irrisórios, por um departamento com falta de pessoal e de financiamento.
Roméo Dallaire
Le Monde diplomatique
http://www.infoalternativa.org/mundo/mundo190.htm

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