domingo, dezembro 10, 2006

México:Rumo a um estado de excepção?

O México vive um processo larvar de fascistização. Se não for travado agora, sua consequência lógica pode ser a consolidação de um Estado terrorista. Convém ter em conta que o terrorismo de Estado é algo mais do que a violenta implantação de um regime ditatorial; é uma política cuidadosamente planificada e executada que responde a um projecto de dominação de classe tendente a configurar um novo modelo de Estado que actua ao mesmo tempo pública e clandestinamente através das suas estruturas institucionais. Jalisco, em 2004, com Francisco Ramírez Acuña, e Oaxaca, em 2006, sob as governaturas de Enrique Peña Nieto e Ulises Ruiz, são ambos laboratórios para a imposição de um novo modelo de dominação a nível nacional. Nos referidos casos, o Estado abandonou aberta ou encobertamente o império do direito e adoptou formas de excepção, pondo em vigor a máxima latina "o que agrada ao príncipe tem força de lei". Nesses casos, os governadores de Jalisco, estado do México e Oaxaca contaram com o aval do ex-titular do Poder Executivo, Vicente Fox, e com a actuação violenta de forças coercivas locais e federais. A utilização da força mantem relação com a perda de hegemonia do bloco de poder, através dos seus representantes políticos e porta-vozes ideológicos, o que obrigou à adopção de formas excepcionais para a solução das crises. A fractura no bloco de poder, a ausência de consenso político da parte dos interesses do capital monopolista e as constantes disputas entre as fracções de classe dentro do bloco dominante e a ineficácia dos instrumentos coercivos que garantiam um consentimento condicionado das classes subordinadas — por exemplo, a incapacidade dos partidos Revolucionário Institucional e Acción Nacional para canalizar a luta de classes dentro dos canais legitimados pelo sistema — levaram à substituição dos mecanismos de dominação. Quanto mais graves e catastróficas sejam estas crises, mais excepcionalidade adquirirá o Estado, mais apelará o bloco no poder aos estamentos militares e paramilitares: Polícia Federal Preventiva (PFP), sicários, esquadrões da morte, como ocorre em Oaxaca, para resolver de maneira coerciva o que já não pode conseguir pelo consentimento. Guiados por uma fria racionalidade tecnocrática institucionalizada, na conjuntura de 2006 a fraude eleitoral, a repressão violenta de tipo contra-insurgente na Siderúrgica Lázaro Cárdenas-Las Truchas (Michoacán), San Salvador Atenco (estado de México) e Oaxaca, e um virtual estado de sítio em torno do Palácio Legislativo de San Lázaro (em vésperas e durante o sexto relatório do governo foxista e na mudança de comando Fox-Calderón) foram as formas de controle directo do Estado e a acomodação do mesmo à necessidades dos interesses estratégicos afectados. De maneira gradual, desde a insurreição camponesa-indígena do EZLN em Chiapas (1994), o México tem vivido um lento processo de militarização de todo o aparelho de Estado e adoptado cada vez mais formas próprias de Estado de excepção. O Estado-mediação foi cedendo espaço ao Estado-força, o que, por si, implica a elaboração de um novo direito com base essencialmente discrecional quanto às faculdades dos poderes públicos, sem sujeição a critérios de razoabilidade e auto-limitação. A "legitimação" do uso da repressão violenta desproporcionada e a prática da torturas contra altermundistas em Jalixo (2004), pelo secretário de Governação do novo regime, Ramírez Acuña, e a reprodução aumentada do modelo em Michoacán, Atenco e Oaxaca (2006) configuram um novo Estado contra-insurgente em germinaçaõ. Uma nova "filosofia" e um novo tipo de dominação que, com o aval de Felipe Calderón ainda antes de assumir o cargo de presidente imposto, e com o concurso da Marinha de Guerra, a PFP, o Centro de Investigación y Seguridad Nacional (Cisen) e a actuação de grupos militares em Oaxaca exibem de maneira descarada a nova face de um Estado clandestino que utiliza como método o crime o terror. Além disso, como laboratório do horror, Oaxaca exibe a impunidade factual e jurídica das forças "da ordem", amparadas por um Poder Judicial cúmplice e timorato. Uma impunidade total para matar, sequestrar-desaparecer ou deter dissidentes políticos, considerados "vândalos", "subversivos" ou "terroristas" nas estruturas do poder dominante, local e federal. Perante a incapacidade das velhas formas de dominação para defender a ordem capitalista dependente e contrapor-se à contestação social em crescimento, a classe no poder incorpora uma actividade para do Estado mediante uma dupla face de actuação dos seus aparelhos coercivos: uma pública e submetida às leis, e outros clandestina, que aplica o "terror benigno" à margem de toda legalidade formal. A formação de um "gabinete de choque" pelo espúrio Calderón, com a chegada do ex-subdirector gerente do Fundo Monetário Internacional, Agustín Carstens, à Secretaria da Fazenda, e o "padrinho" Francisco Ramírez Acuña a Governação, cujo prontuário em organizações humanitárias inclui os delitos de tortura, detenções arbitrárias e incomunicabilidade de prisioneiros, dotado de amplas faculdades para coordenar acções de segurança nacional, antecipam um governo de "mão dura" afim aos interesses cimeiros do Conselho Coordenador Empresarial e seus aliados do exterior. A designação de dois homens extraídos dos sótãos da segurança do Estado, Eduardo Medina Mora e Genaro García Luna, ambos peritos em terrorismo, para a Procuradoria Geral da República e a Secretaria de Segurança Pública, respectivamente, completa a mensagem. Com Calderón, presidente débil, poderíamos assistir a um processo de bordaberrização [1] do Estado, de um Estado de excepção. [1] Referência a Bordaberry, ex-boxeur que foi presidente do Uruguai no período em que esteve entrava numa ditadura.
Carlos Fazio
http://resistir.info/

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