Em Portugal não existem trabalhadores, há colaboradores. Ninguém é despedido, há ajustamentos às necessidades de produção. As empresas não fecham a porta, deslocalizam a produção. Não existe perda do poder de compra, há contenção salarial. É populista e demagógico lembrar as crescentes disparidades salariais, devendo antes realçar-se que o mérito deve ser premiado e os gestores têm que estar identificados com os interesses da empresa. Que são os mesmos dos trabalhadores. Desculpem, dos colaboradores.
A escolha semântica não é neutra. As palavras têm valor e significado. São uma peça central na disputa do campo das ideias políticas. Fala-se muito do politicamente correcto e do predomínio da esquerda na imprensa, mas nunca se lê uma linha sobre o economicamente correcto que tomou conta do discurso político e jornalístico sobre a economia. E, curiosamente, o economicamente correcto é o mais poderoso motor da assimetria ideológica que normaliza a crise e constitui, ela própria, uma das causas do atraso de um país que não encontra outro modelo de desenvolvimento que não o dos baixos salários. Ele reproduz-se partindo da premissa de que a economia é uma ciência exacta imune à contaminação ideológica e que o discurso “mainstream”, que ouvimos e lemos todos os dias, é politicamente neutro. Não é.
Peguemos no exemplo das mistificações sobre a reduzida taxa de produtividade nacional, constantemente alardeada como a prova provada que os trabalhadores portugueses são pouco trabalhadores e produtivos, quando a única coisa que se pode ler desse indicador é que a economia nacional tem um baixo valor acrescentado. A discrepância não é inocente, como se percebe, servindo para justificar anos e anos de degradação de poder de compra dos trabalhadores. A forma como os aumentos salariais para a função pública foram retratados na generalidade da imprensa, blogosfera e colunas de opinião constitui um dos melhores exemplos dessa assimetria ideológica. Entre as acusações de eleitoralismo até a“o dinheiro que abunda para salários escasseia para despesas reprodutivas”, de Vital Moreira, o tom geral foi a condenação do despesismo. Pouco importa que, nos últimos oito anos, os mesmos trabalhadores tenham perdido 9,4% de poder de compra e que, contando com menos 51 486 trabalhadores, a produtividade da função pública tenha aumentado mais de 7% desde 2005. Também é indiferente que exista margem orçamental. O que importa é que se quebrou a mensagem de austeridade que vinha sendo transmitida ao país. Pelos trabalhadores, claro. E depois fica tudo muito espantado quando surge um estudo que indica que Portugal é um dos países industrializados com maiores desigualdades na distribuição dos rendimentos. Pois.
http://arrastao.org/e-a-economia-estupido/o-economicamente-correcto/
Sem comentários:
Enviar um comentário