segunda-feira, março 30, 2009

Carta Aberta ao Dr. José Paulo Serralheiro

Meu caro Director
Sem querer perder o senso da medida e das proporções, considero uma vergonha nacional que A Página da Educação não encontre o espaço e o tempo necessários à sua publicação. Se não descambo em erro crasso, as dificuldades financeiras vibraram-lhe a estocada mortal. Neste País, há dinheiro para instituições desacreditadas e corruptas, não há dinheiro para um mensário que se ocupa, criticamente, dos imensos desafios que o nosso tempo coloca ao campo educativo. Recuso-me a admitir que os Ministérios da Educação e da Cultura não encontrassem a "meia dúzia de tostões" imprescindível à continuação de A Página, que vem clamando, como ninguém, por respostas exigentes e soluções inadiáveis à educação nacional. Com uma ideologia de esquerda? Mas será este um erro que se lhe possa imputar? O Governo diz-se de esquerda e não finda as suas explosões vulcânicas de antipatia pela direita; aqui ao lado, o Sr. Zapatero, ergue-se, frequentemente, numa impulsão belicosa, contra Mariano Rajoy e o PP; o democrata Barack Obama chegou à Casa Branca como um "herói da esquerda", como o candidato republicano John McCain o era da direita – francamente não parece um erro ser de esquerda. Mas A Página defende também um paradigma educacional que nada tem de unidimensional, monocultural e compartimentado disciplinarmente, de acordo com um paradigma científico fundamentado na especialização, na atomização, na desigualdade de acesso ao conhecimento, na racionalidade experimental e no mecanicismo determinista. N'A Página, a cultura é, portanto, antidualista, não aceitando, por isso, qualquer tipo de desigualdades e exclusões, tanto intelectuais como sociais. Pergunto, sem qualquer acrimónia, mas com funda preocupação: num país onde se proclama que a educação é o objectivo primeiro do Governo, por que se deixa morrer este mensário que é anticapitalista, anticolonialista, antieurocêntrico e onde o conhecimento é libertação, como o exige o desenvolvimento baseado nos direitos humanos? Vale a pena determo-nos sobre esta carta enviada, há anos já, ao New York Times e que eu extraí do livro Saberes, Competências, Valores e Afectos, de João Viegas Fernandes (Plátano Lisboa, 2001, p. 99). "Caro Professor, sou um sobrevivente de um campo de concentração. Os meus olhos viram o que jamais olhos humanos deveriam poder ver: câmaras de gás construídos por engenheiros doutorados; adolescentes envenenados por físicos eruditos; crianças assassinadas por enfermeiras diplomadas; mulheres e bebés queimados por bacharéis e licenciados. Por isso, não acredito na educação. Eis o meu apelo: ajudem os vossos alunos a serem humanos. Que os vossos esforços nunca possam produzir monstros instruídos, psicopatas competentes. Eichmanns educados. A leitura, a escrita, a aritmética só são importantes se tornarem as nossas crianças mais humanas". De facto, as tecnologias de base científica, as tecnologias da informação e da comunicação (TIC), que as lições doutorais de pessoas competentes consideram inadiáveis à educação dos nossos jovens, pouco significam à transformação da Vida, da Sociedade e da História se os deixam dominados por uma racionalidade lógico-instrumental e pela desproporção entre a admiração pelo progresso científico e tecnológico e a ignorância ética e política. Não pretendo esquecer os enormes benefícios que as TIC proporcionam ao campo educativo. Permito-me tão-só chamar a atenção para as relações sociais, os padrões de conduta, os valores... para que o mundo se torne habitável para todos e promotor de mais solidariedade e melhor justiça! Sociedade do conhecimento, sociedade da informação, sociedade global, sociedade digital, sociedade em rede – só há que aplaudir o progresso tecnológico e científico! Mas que tudo isto signifique também, e acima do mais, uma viragem antropológica donde ressalte sempre e em todos os seres humanos do Norte ou do Sul a eminente dignidade da pessoa humana. Só tecnologia, sem valores... é pouco! Meu caro Director, A Página da Educação é um exemplo de coragem e de luta, contra o "tecnocosmos" (Gilbert Hottois), onde a técnica, sem o assomo de qualquer valor, surge como a referência e explicação única de todo os problemas humanos. Ora, se "o homem é a medida de todas as coisas" e o tecnocosmos se estrutura como excluindo o interpretativo, o simbólico, o axiológico; se ao neoliberalismo em crise (mas ainda dominante) importa adormecer as pessoas à recusa da sociedade injusta estabelecida, empurrando-as ao consumo de subprodutos culturais – como dispensar a presença actuante d'A Página da Educação, na nossa vida social e no nosso campo educativo?... Todas as actividades humanas têm a sua grandeza, o seu ponto alto. No caso específico dos mídia, tal acontece quando o interesse público se sobrepõe a tudo o mais – bem evidente no esforço de se encontrarem os novos sinais que nos falam da Sociedade do Conhecimento, como factor de desenvolvimento humano. Ora, este novo, este diferente, este interpelativo era o horizonte que animava os que trabalhavam n'A Página. Na nossa Sociedade da Informação, escasseiam os jornais, as rádios, as televisões, as revistas, as tecnologias da imagem que informem, formando. Por isso, com mágoa me despeço deste mensário, como uma das coisas belas e boas que conheci, na vida. Embora com esperança que, dialecticamente, A Página venha a ressuscitar... com outro nome mas os mesmos objectivos! Muito especialmente, para si, meu caro Dr. José Paulo Serralheiro, aqui lhe deixa um abraço sobre o coração o seu admirador muito grato.

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