quinta-feira, abril 30, 2009

A armadilha afegã de Obama

Na segunda-feira à noite, o Presidente Barack Obama deu a sua primeira conferência de imprensa no horário nobre. Quando questionado sobre o Afeganistão, respondeu: «Este vai ser um grande desafio». Também foi questionado sobre se alteraria a política do Pentágono que proíbe filmar e fotografar os caixões envoltos na bandeira dos soldados mortos no Iraque e no Afeganistão. Disse que estava a revê-la. O jornalista que formulou a pergunta assinalou que foi Joe Biden quem, há vários anos, acusou o governo de Bush de suprimir as imagens para evitar a comoção pública pelas mortes de membros do serviço militar estadunidense. O agora vice-presidente Joe Biden prevê que um aumento de tropas estadunidenses no Afeganistão significará mais baixas estadunidenses: «Detesto dizê-lo, mas sim, creio haverá. Haverá um aumento».
Entretanto, a Associated Press citou recentemente um relatório classificado elaborado pela Junta de Chefes do Estado-Maior, recomendando uma mudança de estratégia da construção da democracia no Afeganistão para o ataque a alegados bastiões dos taliban e da al-Qaeda ao longo da fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão.
E a campanha claramente começou. Dias depois da sua tomada de posse, as primeiras acções militares (conhecidas) de Obama foram dois ataques com mísseis na província fronteiriça do Paquistão, segundo as informações matando 22 pessoas, incluindo mulheres e crianças.
Cherif Bassiouni passou anos entrando e saindo do Afeganistão. É professor de Direito da Universidade DePaul e antigo Relator Especial de Direitos Humanos das Nações Unidas no Afeganistão. Em 2005, foi forçado a deixar o seu cargo nas Nações Unidas sob pressão do governo de Bush, dias depois de ter emitido um relatório acusando os militares estadunidenses e contratistas privados de cometer violações dos direitos humanos. Questionei Bassiouni sobre a abordagem de Obama ao Afeganistão. Disse-me: «Não há solução militar no Afeganistão. Há uma solução de desenvolvimento económico, mas não vejo isso a caminho. (…) Neste momento, a população nada tem a ganhar ao apoiar os EUA e a NATO. Tem tudo a ganhar ao apoiar os taliban».
O contundente relatório da ONU de 2005, de Bassiouni, acusava os militares estadunidenses e os contratistas militares privados de «entrada forçada em lares, de detenção e prisão de nacionais e estrangeiros sem autoridade legal ou mandado judicial, por vezes durante longos períodos de tempo, de nudez forçada, de colocação de capuzes e de privação sensorial, de privação do sono e de alimentos, de colocação forçada de cócoras ou de pé durante longos períodos de tempo em posições incómodas, de abuso sexual, golpes, tortura e de uso da força provocando a morte».
Também coloquei a questão sobre o incremento militar ao antigo Presidente Jimmy Carter. Respondeu: «Eu discordaria de Obama tendo em conta que um incremento levaria a um bombardeamento mais intenso de povoações e de centros afegãos e uma pesada dependência dos militares. Gostaria que nos aproximássemos mais, que nos adaptássemos mais, e que negociássemos com todas as facções do Afeganistão».
Carta deverá saber. Ajudou a criar o que o seu assessor de segurança nacional, Zbigniew Brzezinski, designou «a armadilha afegã», preparada para os soviéticos. Isto foi feito apoiando os mujahedin islâmicos no final da década de 1970 contra os soviéticos no Afeganistão, criando assim o que evoluiu para os taliban. Brzezinski contou ao jornal francês Le Nouvel Observateur em 1998: «O que é mais importante para a história do mundo? Os taliban ou o colapso do império soviético? Alguns muçulmanos excitados ou a libertação da Europa Central e o fim da Guerra Fria?» Mais de 14.000 soldados soviéticos foram mortos, e o número de afegãos mortos excedeu 1 milhão. Osama bin Laden estreou-se com a ajuda da operação afegã financiada pela CIA.
Bassiouni sugere que uma solução militar está condenada ao fracasso, assinalando que os taliban «se deram conta de que não podiam derrotar as forças americanas, e por isso entraram na clandestinidade. Puseram as suas kalashnikovs debaixo dos colchões, e esperaram. Há um ano atrás, voltaram à superfície. Podem fazer o mesmo. Podem regressar às montanhas, colocar as kalashnikovs debaixo do colchão, esperar cinco anos. Têm vindo a fazer isso desde 1800 com qualquer estrangeiro e todos os invasores estrangeiros.»
Como me disse Carter: «Oferecer uma mão de amizade ou propor acordos, não apenas aos senhores da guerra,, mas até àqueles radicais dentre os taliban que estão dispostos a negociar, seria a melhor abordagem, em vez de recorrer exclusivamente a maior força militar».
Não aprendemos nada com o Iraque? «No que toca à guerra no Iraque, o tempo para promessas e garantias, para esperar e ser paciente acabou. Perderam-se demasiadas vidas e foram gastos demasiados milhões para que confiemos no presidente em outra política já testada e fracassada»: Estas foram as palavras do senador Barack Obama em Janeiro de 2007. Com a sua Junta de Chefes agora aparentemente apontando para mais combate e menos conversa no Afeganistão, é preciso recordar a Obama as suas próprias palavras.
http://infoalternativa.org/spip.php?article814

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