Todos sabem ou suspeitam que a pretensa administração da crise pelo Estado, novamente na moda, leva à inflação. O Estado não produz mais-valia, pelo contrário, consome parte dela. Se é precisamente o maior consumidor improdutivo que há-de fazer reviver a agonizante valorização do capital, não é do paciente que ele pode retirar o poder de compra para isso necessário. O problema surgiu, pela primeira vez, nas economias de guerra a partir de 1914. O consumo de extermínio da guerra industrializada apenas pôde ser financiado através duma oferta excessiva de dinheiro sem substância pelos bancos emissores. O padrão ouro acabou. A pronta contrapartida foi a desvalorização do dinheiro, a destruição de bens e os cortes nas moedas. Mas a inflação havia chegado para nunca mais partir. Ela foi roendo o capitalismo no século XX e há-de engoli-lo no século XXI.
Por uma razão muito simples: a economia de guerra tornou-se permanente. Isto é verdade mesmo num sentido muito imediato. Ao desenvolvimento industrial seguiu-se o armamento, que se tornou cada vez mais caro. Nem a Guerra Fria, nem as mais recentes guerras de ordenamento mundial seriam financiáveis pela produção regular de mais-valia. O consumo militar improdutivo viveu da criação de crédito, mediada pelos mercados financeiros internacionais, ou seja, do saque antecipado sobre a mais-valia futura. A nova crise económica mundial já não pode ser "resolvida" pela guerra. E não é só porque o capital mundial transnacional já não inclui qualquer oposição de blocos de poder imperial e porque o mundo já está cheio de armas nucleares. Pelo contrário, o capitalismo já teve a sua economia de guerra; esse meio já foi consumido.
Contudo, o problema é mais profundo. A forma económica da economia de guerra improdutiva já há muito tempo que atingiu também a produção de bens civis. A substância de trabalho da produção de mais-valia no seu conjunto foi atingida pelo desenvolvimento das forças produtivas. O resultado foi a alimentação artificial do processo de valorização através do sistema de crédito e, mais recentemente, através das bolhas financeiras: no fundo, uma economia de guerra sem guerra. Razão pela qual a inflação se tornou também um efeito colateral permanente. Enquanto pôde ser mantida a aparência de um saque antecipado sobre a mais-valia futura, a inflação permaneceu travada nos centros, enquanto, desde os anos70, a periferia foi sofrendo uma série de hiperinflações, a mais recente no Zimbabué. Mas agora estourou a bolha do crédito global. Novamente o Estado tem de voltar a cometer directamente à impressão de notas a economia de guerra sem guerra.
A superabundância de dinheiro sem substância da economia quase de guerra tem de satisfazer uma necessidade de financiamento que ultrapassa de longe a da economia de guerra. Já nos debates sobre a crise ecológica e a catástrofe climática se podia ouvir que a reparação do meio ambiente só seria realizável pelos padrões da economia de guerra. O mesmo acontece agora com o saneamento global dos balanços. Mas, além disso, toda a posterior produção de mais-valia teria de ser alimentada pela impressão de notas. As decisões já estão tomadas, ainda que os ministros das Finanças se façam rogados. O capitalismo, como economia de guerra sem guerra, tornou-se improdutivo pelos seus próprios critérios. O sagrado, o amado dinheiro, que todos querem “ganhar” para sempre, tem de abdicar da sua posição de dominador do mundo; ele acabará por já nem sequer um pedaço de papel ser.
Robert Kurz
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