sexta-feira, abril 17, 2009

G20: a sua agenda e a nossa

Se algo caracterizou a recente Cimeira do G20 em Londres foi a grandiloquência das declarações dos seus protagonistas, empenhados em dar transcendência histórica às suas decisões e em buscar frases de impacto. Porém, o que existe por detrás dos acordos anunciados e das políticas seguidas pelos governos desde o estalido da crise? Nas palavras do respeitado geógrafo David Harvey, «o que estão a tentar fazer é reinventar o mesmo sistema (…). O dilema fundamental que estão a colocar-se é: como podemos reconstituir o mesmo tipo de capitalismo que tivemos nos últimos 30 anos de uma forma ligeiramente mais regulada e benevolente?».

Os acordos da Cimeira aprofundam as políticas até agora adoptadas pelos seus integrantes para fazer face à situação. A declaração final mantém o compromisso do G20 com as bases do modelo de globalização neoliberal e com as suas instituições. Reafirma-se a necessidade de continuar a impulsionar a liberalização do comércio mundial e os investimentos no marco da Organização Mundial do Comércio (OMC) e de evitar medidas que limitem a circulação de capitais.

Assinala-se a necessidade de dar um novo protagonismo ao Fundo Monetário Internacional (FMI), receptor da anunciada injecção de 500.000 milhões de dólares. Isso supõe a n-ésima tentativa de restabelecer a credibilidade e as funções de um dos símbolos e pilares institucionais do actual modelo de globalização. Reforçar o papel do FMI, no olho do furacão desde o seu nefasto papel na crise financeira asiática de 1997, é toda uma declaração de intenções.

No terreno do sistema financeiro, os acordos assinados estão longe de supor mudanças estruturais, apesar do anúncio de mais medidas regulatórias e de controle que procuram evitar os desmandos recentes. Os resgates de entidades financeiras continuarão como até agora. A retórica e a pressão contra os paraísos fiscais endurece-se, mas não são anunciadas medidas concretas no sentido do seu desaparecimento efectivo. Tampouco existem propostas claras referentes à regulação dos salários dos directores das grandes empresas. Para além de algumas medidas que possam aliviar a indignação popular perante situações escandalosas, o certo é que não se vislumbra nenhuma mudança substancial na dinâmica que comportou a explosão por cima das remunerações dos altos cargos e o aumento espectacular do diferencial entre os seus salários e os dos trabalhadores médios.

Em definitivo, como assinalam Éric Toussaint e Damien Millet, membros do Comité pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM), os acordos da cimeira representam «um pequeno retoque de pintura num planeta em ruínas (…). O G20 vai velar para que se preserve o essencial da lógica neoliberal. (…) Os princípios errados são novamente martelados» [1], embora o seu fracasso seja evidente.

O sentido das políticas dos principais governos do mundo é claro: fazer os sectores populares pagar os custos da crise e tentar escorar o modelo actual com tímidas reformas que assegurem a sua viabilidade. Face a isso, é necessário propor outra agenda portadora de uma lógica de ruptura com a actual ordem de coisas. «Mudar o mundo pela base», como reza a conhecida estrofe da Internacional, surge hoje como mais necessário do que nunca. A declaração da assembleia dos movimentos sociais aprovada no passado Fórum Social Mundial de Belém traça o que podem ser linhas mestras de uma agenda alternativa de saída da crise sistémica contemporânea: «Temos que lutar, impulsionando a mais ampla mobilização popular, por uma série de medidas urgentes, tais como: a nacionalização da banca sem indemnização e sob controle social; redução do tempo de trabalho sem redução do salário; medidas para garantir a soberania alimentar e energética; pôr fim às guerras, retirar as tropas de ocupação e desmantelar as bases militares estrangeiras; reconhecer a soberania e a autonomia dos povos, garantindo o direito à autodeterminação; garantir o direito à terra, ao território, ao trabalho, à educação e à saúde para todas e todos; democratizar os meios de comunicação e de conhecimento».

É o momento de aprofundar e radicalizar as alternativas, no sentido de ir à raiz dos problemas, de apontar para o “núcleo duro” do actual sistema econômico e não de conformar-se com retoques cosméticos, com a “moralização” do capitalismo ou, simplesmente, com a domesticação dos seus excessos neoliberais. Assim ficou patente nas exigências das manifestações celebradas em Londres e em todo o mundo no âmbito da Semana de Acção Global acordada em Belém.

Embora Gordon Brown afirmasse, em vésperas da Cimeira, ter entendido a mensagem dos manifestantes em Londres, na realidade, entre as políticas do G20 e as exigências expressadas nas mobilizações confrontam-se duas lógicas irreconciliáveis. Nas palavras de Daniel Bensaïd: «A do lucro a qualquer preço, do cálculo egoísta, da propriedade privada, da desigualdade, da competição de todos contra todos, e a do serviço público, dos bens comuns da humanidade, da apropriação social, da igualdade e da solidariedade». Para nós, a eleição é clara.

[1] Damien Millet e Éric Toussaint, Um G20 para nada, CADTM, 01/04/2009.

http://infoalternativa.org/spip.php?article777

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