sexta-feira, abril 17, 2009

Nacionalização da banca. Piada ou mistificação?

Já neste blog dissemos ser necessário clarificar que a forma keynesiana de olhar a economia e um verdadeiro pensamento de esquerda não se justapõem. Se a esquerda tradicional nem sempre sabe, ou quer, fazer essa destrinça isso é revelador da sua inconsistência ideológica e política pois, surge mais claramente que nunca, no palco da actual crise, que o Estado inscreve-se mais entre as causas dessa crise, do que como parte da solução.
A - As nacionalizações de 1975
A lembrança das nacionalizações registadas em 1975 é imediata. Era, então, clara, a eminente e profunda transformação de Portugal em várias frentes:
• recentragem geoestratégica, com o abandono de ideias imperiais e a preparação para uma futura diluição na então CEE, sem sair da órbita da Nato e da suserania americana;
• redifinição política, com a passagem da ditadura fascista para a chamada democracia representativa, monopolizada por partidos, mantendo-se portanto desprezadas ou combatidas todas as formas de democracia directa ou de base, onde não haja controlo político institucional. Nesse contexto, preferiu-se relevar sindicatos burocratizados e sectoriais, em detrimento das comissões de trabalhadores das quais, só restam de facto, hoje, em algumas grandes empresas e com forte influência dos partidos, com influência proporcional à sua inoperacionalidade, enquanto polos geradores de unidade e mobilização dos trabalhadores;
• reestruturação económica, devido à perda dos mercados garantidos nas colónias, à crise petrolífera de 1973, aos problemas de divisas, ao atraso do capitalismo português, à criação ou expansão de serviços públicos no âmbito da saúde e da educação …
As fragilidades do capitalismo português eram (e são) imensas, para mais com a grande pressão popular para o aprofundamento das transformações a que era preciso dar seguimento. Neste contexto, convergem momentaneamente e num mesmo acto – as nacionalizações – os interesses da burguesia no seu conjunto e os militantes do movimento de massas. Assistiu-se nos dias seguintes à decisão dos militares no poder, a manifestações de júbilo do movimento popular, dos partidos de esquerda e ainda do PS, do PPD e do CDS. Por detrás dessa momentânea unanimidade havia, naturalmente, projectos distintos; no movimento popular tinha muita relevância a visão de democracia directa, de conselhos e comissões de trabalhadores autonomamente organizados para o controlo e gestão das empresas; existia também a visão hierarquizada e estatizante tradicional dos PC’s; e os desejos de ocupação de um aparelho de Estado engrandecido eram óbvios no PS/PSD, enquanto o CDS seguia na cauda do cortejo.
Assim, era preciso reestruturar os sectores básicos (banca, seguros, transportes, indústria pesada, química e metalúrgica, estaleiros, cimento e energia), ou de controlo ideológico (os media) e recapitalizá-los para uma integração numa Europa mais profunda do que a exigida no quadro da EFTA, até então existente. Embora ninguém falasse em adesão à então CEE, isso estava bem presente nos sectores mais esclarecidos da burguesia, já mesmo no tempo do fascismo. Era preciso ainda gerir e reestruturar os sectores e empresas que, não sendo estratégicos, tinham sido nacionalizados por arrastamento, perfazendo o conjunto, cerca de 1300 empresas, entre as quais 253 empresas directamente nacionalizadas, com a gritante excepção das participações estrangeiras nos seus capitais. O golpe militar de 25 de Novembro trouxe a “normalização” conduzida por um general de patilhas e óculos escuros (Eanes), mais tarde promovido a PR e ente transitório de referência.
Portugal era então, um país com fronteiras, uma moeda própria e um sistema financeiro que, apesar das ligações ao exterior, tinha uma coutada territorial, no qual a presença do capital estrangeiro era escassa. Por seu turno, as companhias de seguros eram em grande parte privadas ou ligadas aos bancos.
As fragilidades do sistema financeiro eram evidentes. Ainda em 1974 foi nacionalizado um banco falido (BIC) pertencente a um “empresário”, Jorge de Brito; havia bancos emissores para as colónias (BNU e Banco de Angola), esvaziados de funções com a descolonização; e investimentos ou sucursais nas colónias que nada indicava viessem a possibilitar retornos aos capitalistas portugueses o que, aliás, era legítimo após quase cinco séculos de domínio. Essa socialização de prejuizos não foi despicienda para a decisão da nacionalização do sistema financeiro.
B - Nacionalização do sistema financeiro em 2009?
Hoje, a situação é diferente pois não há um sistema financeiro autóctone. Os capitais estrangeiros têm uma grande fatia do mercado (Santander, BBVA, Popular e são maioritários (BPI e BCP) ou, bem representados no capital de outros (BES), sendo consensual para a burguesia portuguesa a manutenção da bandeira na torre mais alta do castelo financeiro, a CGD. Como em 1975, as seguradoras estão associadas aos bancos ou a grandes grupos (Alianz, Mapfre…). Por outro lado, a ligação ao mercado mundial de capitais é inelutável e as regras são as que existem naquele mercado global, sendo muito elevado o endividamento dos bancos instalados em Portugal, uma vez que para ganharem dinheiro com a intermediação financeira, precisam de aliciar a população a endividar-se também, mesmo que de modo disparatado.
As reformas em estudo pela UE serão pífias, superficiais e enganadoras pois o capital não quer alterar nada de substantivo, como se viu na recente cimeira do G20, que já pontapeou para o fim do ano o próximo banquete. Não acreditamos que o governo português possa enveredar pela nacionalização do sistema financeiro, a não ser se decretada de Bruxelas, no quadro de uma nacionalização concertada dos bancos europeus, o que constitui um cenário fantasista. E, qualquer voluntarismo luso seria penalizado por spreads e prémios de resseguro elevados, dificuldades de financiamento e exigiria um género de desconexão face ao mercado financeiro global, um isolamento no quadro comunitário com sequelas enormes e variadas.
Fora do quadro de uma crise revolucionária ou sequer de uma grande mobilização que afectasse o modo como funciona o sistema político e o aparelho de Estado, a nacionalização iria apenas alargar o número de mafiosos do PS/PSD parasitando o sistema, com o aumento das pressões para o financiamento desses partidos e das campanhas eleitorais junto de empresários e empreendedores, incrementando a já elevada corrupção que caracteriza o sistema político. Daí não surgiriam quaisquer garantias de que os trabalhadores ficassem isentos do impacto da deslocalização de empresas, da imposição de flexiseguranças, da precarização e da desvalorização crescente do trabalho e das condiçoes de vida.
A nacionalização não seria uma forma de elevar os padrões democráticos, nomeadamente a partir de um controlo das instituições pelos seus trabalhadores, numa base de auto-gestão, com responsáveis eleitos, exonerados a qualquer momento, fiscalizados nas suas acções pelo colectivo dos trabalhadores.
Uma nacionalização progressista exige um contexto específico de crise, com contornos revolucionários que não está à vista em Portugal. Deve ser proposta num contexto pré-revolucionário quando, entre os trabalhadores e nas suas organizações é patente a utilidade e o potencial transformador dessa nacionalização. Se ela acontecesse como aventado pela esquerda tradicional, Sócrates seria apeado? O PS/PSD seria fragilizado ou mesmo banido por banditismo? A democracia aumentaria em detrimento da criminalização da actividade governamental? Terá sido esquecido em que redundaram as nacionalizações de 1975? O que ficou delas nos bolsos daqueles que compraram as empresas recapitalizadas, entregando em troca os títulos das indemnizações entretanto recebidos? E isso, precisamente devido ao refluxo do movimento popular, nomeadamente das suas componentes auto-gestionárias, favoráveis a uma democracia directa.
A esquerda institucional no que respeita à política económica aponta sistematicamente para o apoio do Estado, para a assunção por este de funções. É neste caso, a nacionalização, é o subsídio, o fundo comunitário para salvar a Qimonda, por exemplo, pagar formação ou subsídios de natal. É o juro bonificado, a aplauso no apoio financeiro a PMME (ultimamente…as micro-empresas ganharam foros de cidadania), o apoio ao sector automóvel (para a PSA não despedir tanto) e ao da cortiça (porventura até o Amorim vai beneficiar do fundo de 100 M, pois só há 400 empresas). É um keynesianismo exacerbado que não põe em causa as relações de produção, o capitalismo, que não equaciona a assunção das empresas pelos colectivos de trabalhadores, com a extinção dos capitalistas e dos administradores com plenos poderes sobre a vida de todos.
Tendo os partidos da esquerda institucional técnicos conhecedores destas questões, cabe perguntar porquê a proposta de nacionalização da banca e dos seguros? Por populismo em tempos pré-eleitorais? Para pressionar o governo a optar (o que não vai fazer) por uma nacionalização e daí recolher trunfos eleitorais? Esta táctica é perigosa.
Mais, se o governo, por hipótese subscrevesse as propostas da esquerda institucional, quando a multidão visse claramente o logro e quais os verdadeiros beneficiados, que crédito político restaria aos partidos da esquerda institucional e, por osmose mediática, a toda a esquerda?
C - A inconsistência política da esquerda institucional
O PC foi o partido da esquerda tradicional que melhor explanou as suas concepções no contexto da nacionalização da banca e dos seguros (1). O BE não formalizou essa proposta mas, admite uma intervenção muito agressiva da CGD, para além da nacionalização das partes privadas da Galp (2). Há, no seu conjunto, vários aspectos que entendemos dever criticar detalhadamente.
1. Não é definido se as nacionalizações da banca e dos seguros abrangeriam as sucursais dos bancos estrangeiros actuando em Portugal ou, accionistas estrangeiros dos bancos com sede aqui. A experiência de 1975 foi clara, nesse campo; optou-se por não melindrar o capital estrangeiro, por razões de politica externa e, por outro lado, porque nessa ocasião, ele era pouco representado na banca. Hoje, quando qualquer governo português se acha muito menos autónomo do que em 1975, perante instâncias internacionais e face ao mercado de capitais, deixar de fora o capital estrangeiro seria reduzir substancialmente a eficácia da nacionalização; e, quando os capitais estrangeiros dominam quase todos os bancos, como se exerceria o controlo público nos bancos, num contexto de regras europeias e internacionais baseadas na regulação mínima?
Em contrapartida, explicita-se que a nacionalização deverá abranger “o sector da banca comercial – actividade bancária que recolhe depósitos e concede crédito” excluindo, portanto, a banca de investimento, grande responsável da actual crise financeira e que continuará entretida com derivados, desmantelamentos de empresas, offshores, especulações bolsistas. Aparentemente apenas se nacionalizaria a banca comercial, pura, honesta, dedicada devotadamente à missão de desenvolver sustentadamente o pais. Alice, no País das Maravilhas.
Parece consensual que no caso da nacionalização do BPN deixar a SLN de fora foi uma atitude técnicamente imbecil mas, reveladora do carácter do governo Sócrates como cúmplice e viabilizador da trafulhice capitalista. A ser nacionalizado o sector bancário que aconteceria às empresas detidas pelos bancos? Seriam mantidas desligadas da suas actuais matrizes de referência (os bancos)? Algumas dessas unidades, por exemplo, no sector da saúde, continuariam privadas ou integradas no sistema público? As empresas holding em que se inserem os bancos seriam abrangidos ou, ficariam de fora como aconteceu com o BPN?
2. A nacionalização da banca seria efectuada com pagamento de indemnizações aos accionistas ou através de pura expropriação? Os accionistas e os capitalistas, hoje, decididamente até encaram com alguns sorrisos a primeira, se dentro de alguns anos, limpos os balanços com entradas de capital pelo novo accionista público, os títulos voltarem ao mercado. Foi isso que aconteceu em 1985, quando o primeiro-ministro Cavaco, depois de um acordo com o PS, então chefiado por Constâncio decidiu as privatizações dos bancos e demais empresas públicas, nacionalizadas em estado de penúria, dez anos antes. Tendo em conta que a expropriação, só seria possível num quadro revolucionário que não está no horizonte, nem a esquerda institucional defende, subentendemos que a proposta do PC compreende a indemnização dos capitalistas e consequente aumento da dívida pública em milhares de milhões de euros. Cabe perguntar como encararia a Comissão Europeia essa questão no âmbito do PEC…
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