Antes de ser o segundo residente canino do Palácio de Belém (diz-se que o Presidente Costa Gomes uivava à lua cheia e só bebia o seu conhaque caríssimo de uma tigela), Spread, o perdigueiro presidencial, foi um cachorro com infância feliz numa ninhada de cinco crias nascida a um novato na canicultura. O seu primeiro dono foi Lopes Alberto (inversão de nome e apelido a cargo de um funcionário do Registo Civil adepto do sistema eslavo de nomenclaturas), que começou por criar frigoríficos e trocou o seu Ariston premiado por um casal de podengos. Dos cinco cachorros da ninhada inaugural, apenas um nasceu perdigueiro. Tal facto teria intrigado outro criador, mas não Lopes. Sabia que a natureza era pródiga em bizarrias ou não tivesse assistido ao parto de uma torradeira nascida do cruzamento de um videogravador com uma máquina de fazer pão. Foi a peculiaridade de Spread a despertar a atenção de Cavaco Silva quando visitou a quinta de Xabregas onde os cães residiam para escolher a sua mascote, inspirado pela escolha de um cão-de-água português por Barack Obama. E depois de lhe ser explicado que não poderia escolher um cão-de-água americano para retribuir a cortesia por não existir tal raça. Também o actual Chefe de Estado nasceu diferente dos demais, com glândulas salivares adicionais no céu-da-boca, e o inesperado perdigueiro filho de podengos caiu-lhe no goto. Decidiu chamar-lhe Spread, conceito económico que tentou explicar aos que o acompanhavam, embarcando num discurso que ia em 47 minutos quando foi sedado pelos seus guarda-costas para evitar o pior. A ambientação ao palácio foi rápida depois do choque dos primeiros dias, agravado pela insistência da primeira-dama em vestir o animal com um traje de minhota feito à medida. Aprendeu entretanto os primeiros truques (o cão, não a primeira-dama) e rosna sempre que o Presidente recebe membros do governo ou delegações partidárias, com excepção de visita recente de Manuela Ferreira Leite, durante a qual Spread se apaixonou pela perna esquerda da líder social-democrata e teve de ser levado à força para não consumar o seu amor em plena Sala das Bicas.
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