quinta-feira, agosto 27, 2009

O NEGRO E O VERMELHO

De la création de l'ordre dans l'humanité ou principes d'organisation politique, 1843

Não é raro ver homens de uma grande sagacidade, de um juízo distinto, de uma razão superior, serem perseguidos por uma ideia que, semelhante a uma iluminação repentina, lhes atravessou o cérebro, neles produzindo as mais singulares imaginações. Um dos mais famosos exemplos desta ideomania foi J.-J. Rousseau (p. 84). Mas o tipo da fascinação intelectual, o ideómano por excelência, esse foi o autor do Monde industriel, Ch. Fourier (p. 85). Entre os alucinados,desta espécie incluo os filósofos. (...) A ideomania universal e profundas que descrevi em traços largos, ... resume, por si só, todas as superstições científicas, políticas e religiosas (p. 87). Com umas árvores genealógicas de ideias se resolveriam, à margem da experiência e da análise os problemas relativos ao homem e à sociedade. Esta preocupação do espírito humano parece ter alcançado a sua maior intensidade aí por volta dos séculos IV e V antes da nossa era, nos tempos em que viveram, na Grécia, Sócrates, Platão, e os sofistas (p. 89).
O sistema de Hegel voltou a pôr em voga o dogma da Trindade: panteístas, idealistas e materialistas tornaram-se trinitários, e muitas pessoas imaginaram que o mistério cristão se ia tornar um axioma de metafísica. Veremos, daqui a pouco e depois das observações que fizemos no parágrafo precedente sobre a aritmética, botânica e zoologia, o leitor já deve estar suficientemente preparando, veremos, dizia eu, que a natureza, quando a abarcamos no seu conjunto, se presta tanto a uma classificação quaternária como a uma classificação ternária e que se prestaria provavelmente a muitas outras se a nossa intuição fosse mais abrangente; por consequência, [veremos] que a criação evolutiva de Hegel se reduz à descrição de um ponto de vista escolhido entre muitos outros, e que, mesmo que esta descrição fosse tão rigorosa e irrepreensível como o sistema decimal, a certeza que ela teria não provaria, de modo nenhum, a sua realidade exclusiva, assim como a certeza absoluta do nosso sistema de numeração não prova que ele seja o sistema exclusivamente seguido pela natureza.
Além dissio, o sistema de Hegel valeu ao seu autor graves reprovações: queixavam-se que a sua série não passava, muitas vezes, de um artifício de linguagem em desacordo com os factos; que a oposição entre o primeiro e o segundo termo nem sempre era suficientemente marcada e que o terceiro não os sintetizava. Estas críticas nada têm que nos possa surpreender: Hegel, antecipando-se aos factos em vez de esperar que acontecessem, forçava as suas fórmulas e esquecia que o que pode ser uma lei de conjunto não basta para dar conta dos pormenores. Numa palavra, Hegel tinha-se aprisionado numa série particular, e pretendia explicar com ela a natureza, tão variada nas suas séries como nos seus elementos (pp. 162-163).
É ao mesmo tempo que compreendo a independência das diversas ordens de séries e a impossibilidade de uma ciência universal, as leis da série simples, e os elementos da síntese (p. 212). A síntese não destrói realmente, mas formalmente, a tese e a antítese (sp. 214). A metafísica junta a sua autoridade à do sentido íntimo para nos provar algo forado nosso pensamento; o idealismo, tanto o objectivo como o subjectivo, segue convencidode uma quimera, e as angústias do cepticismo já não podem atingir-nos (p. 288).
O progresso da sociedade mede-se segundo o desenvolvimento da indústria e aperfeiçoamento dos instrumentos; o homem que não sabe ou não pode servir-se de um instrumento para trabalhar é uma anomalias uma criatura abortícia: não é um homem. Repitamo-lo: de entre todos os animais o homem é o único que trabalha. As antigas religiões viram nisto o signo de uma maldição celeste: com efeito, na sociedade primitiva, o trabalho devia ser tão penoso quanto pouco produtivo. A nova ciência, porem, so vê no trabalho o brilhante testemunho da nossa imensa superioridade (p. 298).
O antagonismo entre o capital e o trabalho, tão deplorado pelos amigos do progresso, longe de se resolver numa associação, que manteria a distinção efectiva entre o trabalhador e o capitalista, só deve terminar pela sujeição absoluta do capital ao traibalho, e pela transformação do ócio capitalista em função de comissário de alforrias e distribuidor dos capitais (p. 313).
A dialéctica seriada é uma máquina que devorará a Constituição, os códigos, os tribunais e todo o arsenal administrativo; que destruirá os canhões do despotismo e fará estremecer as suas bastilhas. Um quilograma de pólvora apenas fará explodir uma bomba; uma só destas ideias fará ir pelos ares milhões de soldados (p. 461).

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