quinta-feira, novembro 26, 2009

O NEGRO E O VERMELHO

A SUA SUPERIORIDADE COMO PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL:
JUSTIÇA E COMUTAÇÃO DAS LIBERDADES

... Entre as abelhas, a comunidade resulta da organização dos indivíduos, ou melhor dizendo, esta organização é que é determinada pelas exigências da vida comum...
As obreiras não têm sexo, isto é, nada que as leve ao cisma e à divisão. Todo o seu amor, toda a sua alma, toda a sua felicidade está na colmeia, no bem-estar da comunidade...
Também a natureza não parece ter querido para o homemuma subordinação mortífera. Ela deixa-lhe personalidade. Ela quer que, mesmo associando-se, ele permaneça livre. Qual será a forma de sociedade humana, por que virtude, através de que lei, o homem, multiplicando a sua força pela associação, conservará, apesar disso, a sua acção pessoal e o seu livre arbítrio?
Eis o que, há séculos, a espécie humana procura com ardor. (Justice, Posit. du Probl. de la Justice.) Poderá haver nisso uma constante social? Começa aqui uma série de problemas que constituem o desespero dos filósofos e o triunfo dos teólogos...
Como satisfazer ao mesmo tempo vontades antagónicas, em que cada uma exige o que constitui o objectivo das reclamações das outras? Para estabelecer o equilíbrio, recorre-se a diversas hipóteses:
- Uns, considerando que o homem só tem valor para a sociedade, tendem -com todas as suas forças, em nome de todos os interesses particulares e sociais - a absorver o indivíduo pela colectividade.
Tal é o sistema comunista, preconizado por Licurgo, Platão, pelos fundadores de ordens religiosas, e pela maior parte dos socialistas contemporâneos. Este sistema, que se poderia definir como a degradação de personalidade em nome da sociedade, encontra-se, ligeiramente modificado, no despotismo oriental, na autocracia dos Césares e no absolutismo do direito divino. É a base de todas as religiões. A sua teoria reduz-se a esta proposição contraditória: subjugar o indivíduo, a fim de tornar a massa livre. Evidentemente, a dificuldade não é resolvida: ela é cortada...
- A hipótese duma liberdade ilimitada. Os adeptos desta opinião defendem que não há, no fundo, oposição entre os interesses; que, sendo todos os homens da mesma natureza, tendo todos necessidade uns dos outros, os seus interesses são idênticos, portanto fáceis de conciliar.
Como se vê, é ainda não resolver a dificuldade; é negar que ela existe ...
Estando afastadas, tanto a hipótese comunista como a hipótese individualista, a primeira como destrutiva da personalidade, a segunda como quimérica, resta tomar um último partido: é o da Justiça...
-Para que exista sociedade entre criaturas racionais, é preciso que haja engrenagem de liberdades, transacção voluntária, compromisso recíproco: o que só se pode fazer com a ajuda dum outro principio, o principio mutualista do direito. A Justiça é comutativa por natureza e na forma: ainda que a sociedade possa ser concebida acima dos indivíduos e exteriormente a eles, como acontece na comunidade, ela só tem existência através das pessoas individuais; ela resulta da sua acção recíproca e da sua energia comum; ela é, para eles, a expressão e a síntese. Graças a este organismo, os indivíduos, semelhantes pela sua indigência original, especializam-se, através das suas aptidões, das suas habilidades, das suas funções; desenvolvem e multiplicam até um grau desconhecido a sua própria acção e a sua liberdade. De modo que chegamos a este resultado decisivo: tudo querendo fazer pela liberdade, só a minoramos; obrigando-a a transigir, aumentamo-la.
- Só a Justiça pode, portanto, ser considerada progressista, porque supõe uma revisão continua da legislação, de acordo com a experiência das relações quotidianas, fornecendo, por conseguinte, um sistema cada vez mais fecundo de garantias.
De mais a mais, o que provoca o triunfo da ideia jurídica sobre as duas formas hipotéticas do comunismo e do individualismo, é que, enquanto o direito se basta a si próprio, o comunismo e o individualismo, incapazes de se realizarem unicamente em virtude do seu principio, não podem passar de prescrições do direito. Ambos são forçados a chamar a justiça em seu socorro.
Das três hipóteses postas, para, através da oposição de interesses, criarem uma ordem na humanidade, e converterem a multidão das individualidades em associações, realmente só subsiste uma válida, a da Justiça. A Justiça, pelo seu princípio mutualista e comutativo, assegura a liberdade e aumenta a sua força, cria a sociedade, e dá-lhe uma força irresistivel... A liberdade, erguendo-se a um mais elevado nível, mudou de carácter: do mesmo modo o Estado, já não é o mesmo que se apresentara incialmente na hipótese comunista: ele é a resultante, não a dominante dos interesses...
Então, nem comunidade: nós temos muitos hábitos de independência, de personalidade, de responsabilidade, de amor pela família, de crítica, de revolta.
Nem liberdade ilimitada: nós temos muitos interesses solidários, muitas coisas comuns, muita ne essidade uns contra os outros do recurso ao Estado.
Só a Justiça, cada vez mais explícita, sábia, severa: eis como se encontra a situação, o que pedem todas as vozes da Humanidade. (Justice, Position du Probl. de la Justice.)

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