segunda-feira, novembro 30, 2009

O NEGRO E O VERMELHO

RECUSA DUMA «RELIGIAO ATEIA»

A. O espiritualismo idealista

Distinguimos, quer queiram quer não, no conhecimento dois aspectos: a dedução e a aquisição. Pela primeira, o espírito parece criar, com efeito, tudo o que aprende: tal é a matemática. Pela segunda, contrariamente, o espírito, incessantemente detido no seu progresso científico, só caminha com a ajuda iduma excitação perpétua, cuja causa é inteiramente involuntária, e fora da soberania do eu. Como explicar então, no espiritualismo, a razão deste fenômeno, que é impossível menosprezar? Como, vindo toda a ciência do eu isolado, não é ela espontânea, completa desde a origem, igual em todos os indivíduos, e, para o mesmo indivíduo, em todos os momentos da existência? Finalmente, como explicar o erro e o progresso? Em vez de resolver o prbolema, o espiritualismo desvia-se: menospreza os factos melhor adquiridos, os mais indubitáveis, como sejam as descobertas experimentais do eu; tortura a razão; é forçado, para se manter, a pôr em dúvida o seu próprio princípio, negando o testemunho negativo do espírito. O espiritualismo é contraditório, inadmissível.

B. O materialismo dogmático

Entretanto, outros se apresentaram na defesa de que só a matéria existe, e que é o espírito que constitui uma abstracção. Nada é verdadeiro, disseram eles, nada é real fora da natureza; nada existe, a não ser o que podemos ver, tocar, contar, pesar, medir, transformar; nada existe, excepto os corpos organizados e vivos; o que chamamos alma, espírito, consciência, ou eu, é unicamente uma entidade que serve para representar a harmonia desse organismo. É o objecto que pelo movimento inerente à matéria dá origem ao sujeito: o pensamento é uma modificação da matéria; a inteligência, a vontade, a virtude, o progresso, não são senão determinações de uma certa ordem, atributos da matéria, cuja essência de resto é para nós desconhecida. - Mas, replica o senso comum, si satanas in seipsum divises est, quomodo stabit? A hipótese materialista apresenta uma dupla impossibilidade. Se o eu não é outra coisa senão o resultado da organização do não-eu; se o homem é o ponto culminante, o chefe da natureza; se ele é a própria natureza, elevada à sua mais alta potência, como tem a faculdade de contrariar a natureza, de a atormentar, e de a refazer? Como explicar esta reacção da natureza contra ela própria, reacção que produz a indústria, as eiência,s, as artes, todo um mundo extra natureza, e que tem por fim único vencer a natureza? Finalmente, como sujeitar a modificações materiais aquilo que, de acordo com o testemunho dos nossos sentidos, a que só os materialistas dão crédito, se produz fora das leis da matéria?
Por outro lado, se o homem não é mais que a matéria organizada, o seu pensamento é a reflexão da natureza: então como é que a matéria, como é que a natureza se conhece tão mal? Donde vêm a religião, a filosofia, a dúvida? A matéria é tudo, o espírito nada: e quando esta matéria atinge a sua mais elevada manifestação, a sua evolução suprema, quando se torna homem, enfim, ela já não se conhece; perde a memória de si; perturba-se, e só caminha com a ajuda da experiência, como se ela não fosse a matéria, isto é, a própria experiência! Qual é então esta natureza, esquecida de si própria, que tem necessidade de aprender a conhecer-se desde que atinge a plenitude do seu ser, que só se torna inteligente para se ignorar, e que perde a sua infalibididade no preciso instante em que adquire a razão?
O espiritualismo, negando os factos, sucumbia sob a sua própria impotência; entretanto, os factos esmagam o materialismo com o seu testemunho: quanto mais estes sistemas trabalham para se fixarem, mais mostram a sua contradição. (Contr. Êcon., cap. XI.)
É próprio das ideias místicas subjugar o entendimento; pela superstição, acorrentar a vontade, regulamentar as acções, em última análise, absorver num interesse anónimo todos os interesses particulares.
Pode-se verificar a exactidão desta observação em todas as seitas místicas, existentes ou desaparecidas: é uma regra sem excepção. O próprio materialismo, que poderíamos definir como o misticismo da matéria, não se desvia em nada do que acaba de ser dito... (Justice, Les Biens.)

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