segunda-feira, fevereiro 01, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

ou se serão antes o produto ilegítimo de uma mistura de coisas diferentes, de uma fatal associação de ideias. E visto que a Justiça se determina sobretudo no governo, na condição das pessoas e na posse das coisas é preciso descobrir, segundo o consenso de todos os homens o progressos do espírito humano, em que condições o governo é justo; a condição dos cidadãos, justa; a posse das coisas, justa; depois de eliminar tudo o que não satisfaça essas condições o resultado indicará qual o govemo legítimo, qual a condição legítima dos cidadãos e qual a posse legítima das coisas; por fim, e como última expressão da análise, qual é a Justiça.
É justa a autoridade do homem sobre o homem?
Toda a gente responde: Não; a autoridade do homem é apenas a autoridade da lei, que deve ser justiça e verdade. A vontade privada nada conta no governo que se limita por um lado a descobrir o que é verdadeiro e justo para daí deduz a lei; por outro lado vigia a execução dessa lei. - Neste momento não examino se a nossa forma de governo constitucional satisfaz essas condições; se, por exemplo a vontade dos ministros nunca se intromete na declaração e interpretação da lei; se os nossos deputados, nos seus debates, estão mais empenhados em vencer pela razão do que pelo número: basta-me que a ideia de um bom governo seja tal como a defino. Esta ideia é exacta: no entanto vemos que nada parece mais justo aos povos orientais que o despotismo dos seus soberanos; que os antigos e os próprios filósofos achavam bem a escravatura, que na Idade Média os nobres, abades e bispos achavam justo terem servos; que Luís XIV pensava dizer a verdade quando afirmou: O Estado sou eu; que Napoleão considerava crime de Estado a desobediência à sua vontade. A ideia de justo, aplicada ao soberano e ao governo não foi, portanto, sempre igual à de hoje; foi-se desenvolvendo e concretizando cada vez mais, até que por fim parou no estado presente. Mas chegou à última fase? Não o creio: só que, como o único obstáculo que lhe resta vencer para acabar a reforma do governo e consumar a revolução deriva unicamente da instituição do domínio de propriedade que conservámos, é essa instituição que devemos atacar.
É justa a desigualdade política e civil?
Uns respondem sim, outros não. Aos primeiros lembrarei que quando o povo baniu todos os previlégios de nascença e casta isso lhes pareceu bom, provavelmente porque os beneficiou; porque não querem então que desapareçam os privilégios de riqueza como os de casta e raça? dizem que é porque a desigualdade política é inerente à propriedade e que sem propriedade não há sociedade possível. Assim, a questão que acabamos de formular resume-se na da propriedade. Aos segundos contento-me em fazer esta observação: Se querem gozar da igualdade política acabem com a propriedade; se não, de que é que se queixam?
É justa a propriedade?
Toda a gente responde sem hersitar: sim, a propriedade é justa. Digo toda a gente porque até agora parece-me que ninguém respondeu com pleno conhecimento: não. Uma resposta motivada não seria coisa fácil; só o tempo e a experiência podiam conduzir a uma solução. Actualmente encontrou-se essa solução; compete-nos ouvi-Ia. Tentarei demonstrá-la.
Eis a maneira como vamos raciocinar:
I - Não discutimos, não reprovamos ninguém, não contestamos nada; aceitamos como boas todas as razões alegadas em favor da propriedade e limitamo-nos a procurar o seu fundamento para, em seguida, verificar se ele está fielmente expresso na propriedade. Efectivamente, não podendo a propriedade ser defendida senão como justa, a ideia ou pelo menos a intenção de justiça deve necessariamente encontrar-se no fundo de todos os argumentos dados a favor da propriedade: e como, por outro lado, a propriedade só se exerce sobre coisas materialmente apreciáveis, objectivando-se a justiça por si própria, por assim dizer, secretamente, deve aparecer sob uma fórmula algébrica. Com este método de observação depressa reconhecemos que todos os argumentos imaginados para defender a propriedade, quaisquer que sejam, pressupõe sempre e necessariamente a igualdade, quer dizer, a negação da propriedade.
Esta primeira parte compreende dois capítulos: um relativo à ocupação, fundamento do nosso direito, outro relativo ao trabalho e ao talento, considerados como causas de propriedade e desigualdade social.
A conclusáo desses dois capítulos será, por um lado, que o direito de ocupação impede a propriedade; por outro, que o direito ao trabalho a destrói.
II - Sendo portanto a propriedade necessariamente concebida sob a razão categórica da igualdade temos de averiguar porque é que a igualdade não existe, apesar dessa necessidade lógica.

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