quarta-feira, fevereiro 03, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

CAPÍTULO II


DA PROPRIEDADE CONSIDERADA COMO DIREITO NATURAL.-DA OCUPAÇÃO E DA LEI CIVIL COMO CAUSAS EFICIENTES DO DOMINIO DE PROPRIEDADE.



DEFINIÇÕES

O direito romano definiu a propriedade, jus utendi et abutendi re sua quateus juris ratio patitur, como o direito de usar e abusar dos bens contando que a razão do direito o permita. Tentou-se justificar a palavra abusar dizendo que ela exprime o domínio absoluto e não o abuso insensato e imoral. Distinção inútil, imaginada para a santificação da propriedade e sem efeito contra os delírios do gozo, que não prevê nem reprime. O proprietário é senhor de deixar apodrecer os frutos, semear sal no campo, usar as vacas em trabalhos na areia, transformar uma vinha em deserto e converter uma horta num parque: tudo isso é, sim ou não, abuso? Em matéria de propriedade o uso e o abuso confundem-se necessariamente.
Segundo a Declaração dos direitos, publicada à cabeça da Constituição de 93, a propriedade é «o direito de gozar e dispor à sua vontade dos bens, lucros, fruto do seu trabalho e indústria».
Código de Napoleão, artigo 544: «A propriedade é o direito de gozar e dispor das coisas da maneira mais absoluta, contento que delas se não faça um uso proibido pelas leis e regras.»
Estas duas definições vão ao encontro da que nos legou o direito romano: todas reconhecem ao proprietário um direito absoluto sobre a coisa; e, quanto à restrição trazida pelo Código, contento que delas se não faça um uso proibido pelas leis e regras, tem por objectivo impedir que o domínio de um proprietário crie obstáculos ao domínio de outro proprietário e não limitar a propriedade: é uma confirmação do princípio, não uma limitação
Distingue-se na propriedade: 1.º - A propriedade pura e simples, o direito senhorial sobre a coisa ou, como se diz, a propriedade nua; 2.º - A posse. «A posse, diz Duranton, é uma coisa de facto e não de direito.» Toullier: «A propriedade é um direito, uma faculdade legal; a posse é um facto.» O locatário, o rendeiro, o usufrutuário são possuidores; o senhor que aluga, que empresta a juros e o herdeiro que só espera a morte de um usufrutuário, são proprietários. Assim, ouso servir-me desta comparação: um amante é possuidor: um marido é proprietário.
Esta dupla definição da propriedade, como domínio e posse, é da mais alta importância; e é necessário compenetrarem-se bem disso se querem ouvir o que temos para dizer.
Da distinção entre posse e propriedade nasceram duas espécies de direitos: o jus ln re, direito na coisa, pelo qual posso tirar a propriedade que me pertence das mãos em que se encontra; e o jus ad rem, direito à coisa, pelo qual pretendo tornar-me proprietário. Assim, o direito dos esposos sobre a pessoa do cônjuge é jus ln re; o de dois noivos é apenas jus ad rem. No primeiro caso estão reunidas a posse e a propriedade: o segundo limita-se à propriedade vazia. Na minha qualidade de trabalhador, tendo direito à posse dos bens da natureza e indústria e que através da minha condição de proletário, não gozo nada, é em virtude do jus ad rem que peço a admissão no jus In re.
Esta distinção de jus ln re e jus ad rem é o fundamento da famosa divisão do possessório e do petitórlo, verdadeiras categorias da jurisprudência, que abarcam, completamente na sua imensa circunscrição. Diz-se petitório tudo o que respeita à propriedade; possessório o que é relativo à posse. Escrevendo isto contra a propriedade é a toda a sociedade que intento uma acção petitória; provo que os que hoje não possuem são proprietários pelo mesmo direito que aqueles que possuem; mas em vez de concluir que a propriedade deve ser repartida por todos, peço que seja abolida para todos, como medida de segurança geral.

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