sexta-feira, fevereiro 05, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

Se sucumbir na minha reivindicação, a todos vós, proletários e a mim, não nos resta mais que cortar o pescoço nada mais temos a reclamar da justiça das nações; porque, tal como o ensina, no seu estilo enérgico, o Código do processo, artigo 26, o demandante cujos fins de petitório são indeferidos já não pode ser aceite como possessor. Se, pelo contrário, ganhar o meu processo: então recomeçaremos uma acção possessória, com o fim de obter a nossa reintegração no gozo dos bens que o domínio de propriedade nos rouba. Espero não termos de fazer isso, até porque as duas acções não podem ser simultaneamente propostas pois, segundo o mesmo Código de processo, o possessionário e o petitório nunca serão acumulados.
Antes de entrar no âmago da questão não será inútil apresentar aqui algumas observações prejudiciais.

§ 1.º - DA PROPRIEDADE COMO DIREITO NATURAL

A Declaração de direitos colocou a propriedade entre os direitos naturais e imprescindíveis do homem que são, assim, em número de quatro: a liberdade, a igualdade, a propriedade, a segurança. Que método seguiram os legisladores de 93 para fazer esta enumeração? Nenhum: estabeleceram princípios enquanto dissertavam de um modo geral sobre leis e soberania, segundo a sua opinião. Fizeram tudo às apalpadelas ou de improviso.
Se acreditarmos em Toullier: «Os direitos absolutos podem reduzir-se a três: Segurança, liberdade, propriedade.» A igualdade foi eliminada pelo professor de Rennes: porquê? Será que ela é incompatível com a liberdade ou a propriedade não a admite? O autor do Direito civil anotado cala-se: nem sequer pensou que essa fosse matéria de discussão.
Entretanto, se se compararem entre si esses três ou quatro direitos verifica-se que a propriedade em nada se assemelha aos outros; que, para a maioria dos cidadãos, só existe em potência e como uma faculdade dormente e sem exercício; que para os outros que a gozam é susceptível de certas transacções e transformações que repugnam à ideia de um direito natural que, na prática, os governos, os tribunais o as leis, não a respeitam; enfim, que toda a gente a olha como quimera, espontânea o unanimemente.
A liberdade é inviolável. Não posso vender nem alienar a minha liberdade, todo o contrato, toda a condição contratual que tenha a alienação ou suspensão da liberdade por objecto é nula; o escravo que põe o pé no campo da liberdade é livre nesse mesmo instante. Sempre que a sociedade apanha um malfeitor e o priva da sua liberdade age em legítima defesa: quem quer que rompa o pacto social com um crime declara-se inimigo público; atacando a liberdade dos outros força-os a roubarem-lhe a sua. A liberdade é a condição principal do estado do homem: renunciar à liberdade seria renunciar à qualidade de homem: como seria possível, depois disso, agir como homem?

Sem comentários: