Mas, diz-se, é precisamente para abrigar essa canalha que fazem falta tribunais e soldados: o governo é uma companhia, não precisamente de seguros, pois não assegura nada, mas de vingança e repressão. O direito que esta companhia faz pagar, o imposto, é repartido em proporção das propriedades, quer dizer, em proporção das arrelias que cada propriedade dá aos vingadores e repressores pagos pelo govemo.
Eis-nos longe do direito absoluto e inalienável da propriedade. Assim, o pobre e o rico estão num estado de desconfiança e guerra, respectivamente! Mas para que se fazem guerras? pela propriedade; de maneira que a propriedade tem a guerra à propriedade por correlativo necessário!... A liberdade e a segurança do rico não sofrem com a liberdade e a segurança do pobre: longe disso, podem fortificar-se e suster-se mutuamente: pelo contrário o direito de propriedade do primeiro precisa de ser continuamente defendido contra o instinto de propriedade do segundo. Que contradição! Em Inglaterra há uma taxa de pobres: querem que eu pague essa taxa. Mas que relação há entre o meu direito natural e imprescritível de propriedade e a fome que atormenta dez milhões de miseráveis? Quando a religião nos manda ajudar os nossos irmãos defende um pretexto de caridade e não um princípio de legislação. A obrigação de bem-fazer que me é imposta pela moral cristã não pode exercer contra mim um direito político em benefício de ninguém, e menos ainda de uma instituição de mendicidade. Quero dar esmola se me apetecer, se sentir pelas dores de outrem essa simpatia de que os filósofos falam e na qual não acredito: não quero que me forcem a isso. Ninguém é obrigado a ser justo para além da máxima: Gozar do seu direito contando que isso não prejudique o direito de outrem, máxima que é a própria definição da liberdade. Ora o meu bem pertence-me, não deve nada a ninguém: oponho-me a que a terceira virtude teologal esteja na ordem do dia.
Toda a gente, em França, pede a conversão do rendimento em cinco por cento; é o sacrifício de toda uma ordem de propriedades que se exige. Se houver necessidade pública, está no direito de o fazer; mas onde está a justa e prévia indemnização prometida pela Carta? Não só não existe como também essa indemnização é impossível: porque se a indemnização for igual à propriedade sacrificado a conversão é inútil.
O Estado encontra-se hoje, em relação aos capitalistas, na mesma situação em que a cidade de Calais cercada por Eduardo lll, se achava com os seus notáveis. O vencedor Inglês consentia em poupar os habitantes se lhe entregassem os mais consideráveis da burguesia, para deles dispor a seu bel-prazer. Eustáquio e mais alguns entregaram-se; foi bonito da sua parte e os nossos ministros deveriam propor esse exemplo aos capitalistas. Mas a cidade teria tido o direito de os entregar? certamente que não. O direito à segurança é absoluto; a pátria não pode exigir o sacrifício de quem quer que seja. O soldado posto de sentinela ao alcance do inimigo não é excepção a este princípio; onde um cidadão actua a pátria está exposta com ele; hoje a vez de um, amanhã a de outro; quando o perigo e a devoção são comuns a fuga é o parricídio. Ningué tem o direito de se esquivar ao perigo, ninguém pode servir de bode expiatório; a máxima de Caïphe, é bom que um homem morra por todo o povo, é a da população e dos tiranos, os dois extremos da degradação social. Diz-se que toda a renda perpétua é, essencialmente resgatável. Esta máxima de direito civil aplicada ao Estado é boa para pessoas que queiram voltar à igualdade natural de trabalhos e bens; mas do ponto de vista do proprietário e na boca dos conversionistas é linguagem dos banca-rotas. O Estado não pede emprestado, assegura e guarda as propriedades; como oferece a mais alta segurança possível deixa antever o gozo mais sólido e inviolável. Então como pode forçar a mão aos que lhe emprestam, que confiaram nele, e falar-lhes em seguida da ordem pública e garantia das propriedades? O Estado, numa operação semelhante, não é um devedor que se liberta; é um pedinte de acções que atrai accionários a uma armdilha e, aí, contra a sua autêntica promessa, os leva a perder 20, 30 ou 40 por cento dos interesses dos seus capitais.
Não é tudo. O Estado é também a universalidade dos cidadãos, reunidos sob uma lei comum por um acto de sociedade: esse acto garante a todos as su propriedades, a um o seu campo, a outro a sua vida a um terceiro as suas rendas, ao capitalista, que pode ter comprado imóveis e que antes quis auxiliar o tesouro, as suas rendas. O Estado não pode exigir, sem uma indemnização justa, o sacrifício de um acre de campo, de um canto da vinha, ainda menos tem poder de fazer baixar a taxa das rendas;
Sem comentários:
Enviar um comentário