segunda-feira, fevereiro 08, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

como teria o direito de diminuir o interesse das rendas? Seria preciso, para que esse direito não fosse injusto, que o capitalista pudesse encontrar noutra parte uma colocação dos seus fundos Igualmente vantajosa; mas onde encontrará ele essa colocação, se não pode sair do Estado e se o motivo da conversão, quer dizer, a faculdade de pedir emprestado em melhores condições, está no Estado? Eis porque um governo baseado no princípio da propriedade não pode nunca resgatar rendas sem a vontade dos capitalistas: os fundos colocados na república são propriedades nas quais não há razão para mexer enquanto as outras forem respeitadas; forçar o reembolso é, em relação aos capitalistas, violar o pacto social, colocá-los fora da lei.
Toda a controvérsia sobre a conversão das rendas se reduz a isto:
Pergunta. É justo reduzir à miséria quarenta e cinco mil famílias que têm inscrições de renda de 100 francos e menos?
Resposta. É justo fazer pagar 5 francos de contribuiçóes a sete ou oito milhões de contribuintes, enquanto poderiam pagar só três?
É imediatamente evidente, que a resposta não responde à pergunta; mas para fazer aparecer o vício ainda melhor, transformam-na: É justo arriscar a vida de cem mil homens enquanto se pode salvá-los entregando cem cabeças ao inimigo? Decida, leitor.
Tudo isto é perfeitamente sentido pelos defensores do statu quo, no entanto, tarde ou cedo, a conversão efectuar-se-á e a propriedade será violada, porque é impossível acontecer outra coisa e porque a propriedade, considerada como um direito sem o ser, deve perecer pelo direito; porque a força das coisas, as leis da consciência, a necessidade física e matemática devem destruir esta ilusão da nossa faculdade judiciária.
Resumindo, a liberdade é um direito absoluto, porque inerente ao homem, como a impenetrabilidade o é à matéria, tornasse uma condição de existência sine qua non a igualdade é um direito absouto porque sem igualdade não há sociedade; a segurança é um direito absoluto, porque aos olhos do homem a liberdade e a sua vida são tão preciosas como as de um outro: esses três direitos são absolutos, quer dizer, não susceptíveis de aumento ou diminuição, já que na sociedade, cada associado recebe tanto quanto dá, liberdade por liberdade, igualdade por igualdade, segurança por segurança, corpo por corpo, alma por alma, na vida e na morte.
Mas a propriedade, segundo a sua razão etimológica e as definições da jurisprudência, é um direito fiara da sociedade; é evidente que se os bens de cada um fossem bens sociais as condições seriam iguais para todos o seria contradição dizer: A propriedade é o direito que um homem possui ao dispor de uma propriedade social da maneira mais aboluta. Assim, se estamos associados para a liberdade, igualdade, segurança, não o estamos em relação à propriedade; assim, se a propriedade é um direito natural, esse direito natural não é soc0ial mas antisocial. Propriedade o sociedade são coisas que invenclvelmente repugnam uma à outra: é tão impossível unir dois proprietários como juntar dois ímanes pelos pólos semelhantes. É preciso que a sociedade pereça ou então que elimine a propriedade.
Se a propriedade é um direito natural, absoluto, irreprescritível e inalienável, porque se prouparam tanto com a sua origem, em todas as épocas? porque essa ainda é uma das marcas que a distinguem. A origem de um direito natural, bom Deus! e quem alguma vez se ocupou da origem dos direitos de liberdade, segurança ou igualdade? existem porque existimos: nascem, vivem e morrem connosco. Quanto à propriedade tudo se passa de modo bem diferente: segundo a lei a propriedade existe mesmo sem proprietário, como uma faculdade sem sujeito; existe para o ser humano que ainda não foi concebido, para o octogenário já morto. E, no entanto, apesar das prerrogativas maravilhosas, que nos chegam do eterno e do infinito, nunca se soube dizer donde vem a propriedade; os especialistas ainda se contradizem. Concordam num único ponto: a certeza do direito da propriedade depende da autenticidade da sua origem. Mas esta questão é o que os condena a todos: porque aceitaram o direito antes de esgotada a dissidência da origem?
Algumas pessoas não gostam nada que se levante a poeira de pretensos títulos de direito da propriedade e se procure a fabulosa e talvez escandalosa história, quereriam que quedássemos nisto: a propriedade é uma fealdade, que sempre existiu a sempre existirá. É assim que o sábio Proudhon começa o Tratado dos Direitos de Usufruto, classificando a questão da origem de propriedade na fileira das inutilidades escolásticas.

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