terça-feira, fevereiro 23, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

Trabalhaste! não terias nunca feito trabalhar os outros? Como é que então eles perderam, trabalhando para ti, o que soubeste ganhar não trabalhando para eles?
Trabalhaste! em boa hora; mas vejamos a tua obra. Vamos contar, pesar, medir. Será o julgamento de Baltasar: porque juro por esta balança, por este nível e este esquadro, se te apropriaste do trabalho de outrem, fosse de que maneira fosse, tudo restituirás até ao último quarteirão.
Assim, o princípio da ocupação foi abandonado; já não se diz: A terra é do primeiro que a ocupar. A propriedade, vencida na sua primeira trincheira, repudia o velho adágio; a justiça, envergonhada, retoma as suas máximas e baixa dolorosamente o véu sobre as faces coradas. É apenas de ontem que data este progresso da filosofia social: cinquenta séculos para a extirparão de uma mentira! Quantas usurpações sancionadas, invasões glorificadas, conquistas abençoadas, durante este período lamentável! Quantos ausentes desapossados, pobres escorraçados, excluídos pela riqueza apressada! Quantas invejas e guerras! Quantos incêndios e carnificinas entre as nações! Enfim, dêmos graças ao tempo e à razão; a não ser que exista outro impedimento, há lugar ao sol para toda a gente. Cada um pode atar a cabra à cerca, levar a vaca para a planície, semear uma porção de campo e cozer o pão no lume do seu forno.
Mas não, nem todos o podem. Ouço gritar de toda a parte: Glória ao trabalho e à indústria; a cada um segundo a sua capacidade, a cada capacidade segundo as suas obras. E vejo três quartos do género humano de novo desapossados: dir-se-ia que o trabalho de uns faz chover e gear no trabalho dos outros.
«O problema está resolvido, exclama M.e Hennequin. A propriedade, filha do trabalho, não goza do presente e do futuro senão sob a égide das leis. A sua origem vem do direito natural; o seu poder do direito civil; e é da combinação dessas duas ideias, trabalho e protecção, que saíram as legislações positivas... »
Ah! o problema está resolvido a propriedade é filha do trabalho! Que é então o direito de acessão e o direito de sucessão e o direito de doação, etc., senão o direito de se tornar proprietário pela simples ocupação?
Que são as leis sobre a maioridade, a emancipação, a tutela, a interdição, senão condições diversas pelas quais o trabalhador adquire ou perde o direito de ocupar, quer dizer, a propriedade?...
Não podendo neste momento entregar-me a uma discussão pormenorizada do Código, contentar-me-ei em examinar os três preconceitos mais geralmente alegados a favor da propriedade: 1.º - A apropriação, ou formação da propriedade pela posse; 2.º - 0 consentimento dos homens; 3.º - A prescrição. Procurarei em seguida quais são os efeitos do trabalho, quer em relação à condição respectiva dos trabalhadores quer à propriedade.

Sem comentários: