segunda-feira, fevereiro 08, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

Talvez eu subscrevesse esse desejo, ao imaginá-lo inspirado por um louvável amor à paz, se visse todos os meus semelhantes gozarem de uma suficiente propriedade mas... não... já não o subscreveria.
Os fundamentos sobre os quais se pretende basear o direito da propriedade reduzem-se a dois: a ocupação e o trabalho. Examiná-los-ei sucessivamente, sob todos os ângulos e em todos os pormenores, lembrando ao leitor que, seja qual for a razão invocada, daí extrairei a prova irrefutável de que a propriedade, quando justa e possível, teria a igualdade por condição necessária.

§ 2.º - DA OCUPAÇÃO COMO FUNDAMENTO DA PROPRIEDADE


Nota-se que nas conferências do conselho de Estado para a discussão do Código não se tenha estabelecido nenhuma controvérsia sobre a origem e o fundamento da propriedade. Todos os artigos do título II, livro 2, respeitantes à propriedade e ao direito de acessão passaram, sem oposição nem emendas. Bonaparte, que deu tanto trabalho aos legislas sobre outros assuntos, não encontrou algo para dizer sobre a propriedade. Não nos admiremos: aos olhos deste homem, o mais pessoal e voluntário de todos, a propriedade era o direito principal, assim como a submissão à autoridade era o dever mais sagrado.
O direito de ocupação ou de primeiro ocupante resulta da posse actual, física, efectiva da coisa. Ocupo um terreno sou o presumível proprietário, enquanto não for provado o contrário. Sente-se que, originariamente, um Direito assim não podia ser legítimo senão sendo recíproco, é isso que os jurisconsultos acham.
Cícero compara a Terra a um amplo teatro: Quemadmodum theatrum cum comune sit, recte tamen dici potest ejus esse eum locum quem quisque occuparit.
Neste passo encontra-se tudo o que a antiguidade nos deixou de mais filosófico sobre a origem da propriedade.
O teatro, diz Cícero, é de todos; e, no entanto, o lugar que cada um aí ocupa diz-se seu: evidentemente quer dizer que é um lugar possuído, não um lugar apropriado. Esta comparação anula a propriedade; para mais, implica igualdade. Posso, num teatro, ocupar simultâneamente um lugar na plateia, outro no balcão e outro nos camarotes? Não, a não ser que tenha três corpos, como Géryon, ou que exista ao mesmo tempo em lugares diferentes, como se conta do mágico Apolónio.
Ninguém tem direito senão ao que lhe baste, segundo Cícero: tal é a Interpretação fiel do seu famoso axioma, suum quidque cujusque sit, a cada um o que lhe pertence, verdade que se tem aplicado tão estranhamente. O que pertence a cada um não é o que cada um pode possuir, mas o que cada um tem direito a possuir.

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