sábado, março 27, 2010

EUA - Democracia e insurreição na Grécia e no Mundo

[Para proporcionar um sabor de anarquismo e insurrecionalismo ao estilo grego, Peter Gelderloos, autor de "Como a Não-violência Protege o Estado", acompanhado de dois companheiro/as gregos do Void Network, Tasos Sagris e Sissy Doutsiou, estão dando uma série de palestras nos Estados Unidos, assim como promovendo o livro recém-lançado pela AK Press intitulado “Somos uma imagem do futuro: A Revolta grega de Dezembro de 2008”. A seguir o relato de uma dessas conversações, realizada em Claremont, na Califórnia, em 9 de março.]

Tendo como foco as revoltas recentes propulsadas pela brutalidade policial na Grécia, a palestra foi estruturada mais como um diálogo, ou uma sessão de perguntas e respostas, do que uma conferência tradicional.

Começou Peter. “Nós iremos falar da insurreição social na Grécia, que se destacou perante o mundo após o assassinato, no dia 6 de Dezembro de 2008, de um jovem de 15 anos em Exarchia, bairro rebelde do centro de Atenas que é muito associado com os anarquistas. E depois se seguiram três semanas de levantamentos intensos. Depois, a atenção mundial sobre isso desapareceu, mas estas lutas sociais continuam em marcha, e com muito mais força do que antes de dezembro, então de diversas maneiras eles estão ganhando, e o que queremos fazer é falar de onde tudo isso veio, por que se fez possível, e logo, o que está acontecendo, que direções tomou”.

Advertiu contra a romantização das imagens revolucionárias, como as que estavam projetadas em uma parede próxima ao local da discussão, e fez referências a lutas semelhantes no Reino Unido e Barcelona, cada uma acontecendo dentro de um meio político e cultural distinto.

“Dessa forma, não queremos somente dar a vocês informações sobre o que está acontecendo na Grécia, porque por mais interessante que seja, no final, é inútil. O que queremos é encorajar o pensamento crítico sobre a insurreição, que esperamos que seja útil a todos vocês para que possam difundir rebeliões aqui”.

Em seguida pediu para que as pessoas fizessem perguntas, e a primeira foi uma petição para maior informação sobre o contexto histórico da rebelião relacionando ao auge do anarquismo e a luta contra o fascismo.

Tasos começou com um resumo do movimento grego, explicando que tanto em 1936 como em 1967, ditaduras foram impostas na Grécia para conter os movimentos revolucionários. “Então, quando aconteceu o grande levantamento na Universidade Politécnica em 1974, isso foi um dos fatores principais da queda da ditadura. Participaram aproximadamente 50 a 60 anarquistas nas assembléias gerais, mas tiveram uma forte influência sobre ela. Temos que reconhecer que foram esquerdistas, esquerdistas autônomos, marxistas libertários, pessoas influenciadas pelo marxismo, maoísmo e o leninismo. Mas o espírito de poder que os anarquistas deram à luta que durou três a quatro dias pela queda da ditadura foi muito forte, havia cerca de 10.000 a 15.000 pessoas que se reuniram lá para participar nos motins, e foi ali que pela primeira vez apareceram estas grandes faixas que diziam “Abaixo a Autoridade”, “Insurreição Social Geral”, essa foi a primeira vez que apareceram os lemas e faixas anarquistas, dentro destes motins.

“Outra estratégia que tiveram foi a que apareceu depois de 74, surgindo grupos autônomos e anarquistas dentro das universidades. No início, estes grupos eram pequenos e tiveram pouca influência, mas através de grandes esforços, e também pelo compromisso, criatividade, pela difusão de idéias e por causa das grandes publicações, muitas delas gratuitas, que se distribuíam na universidade, e pela forte contribuição dada ao fortalecimento do movimento estudantil geral, e aos estudantes, o sentimento de que “podemos lutar e podemos ganhar!” estava presente.

Este movimento ocupou todas as universidades por três meses, um feito que se repetiu em 1974, 1980 e 1985. Em 1990, um movimento grande ocupou as universidades para deter sua privatização, e foi apoiado por um movimento de estudantes secundaristas, que em solidariedade ocuparam suas escolas.

“Bandeiras negras na frente das universidades e escolas secundárias, todas as universidades e escolas secundárias fechadas por três meses”.

O movimento não somente deteve a privatização, que foi imposta pela União Européia, mas também conseguiu fixar na consciência popular a idéia de que “a Universidade sempre será gratuita, a comida na Universidade sempre será gratuita, e os restaurantes universitários darão comida gratuita a todos os pobres, a todos os imigrantes pobres, e a qualquer pessoa que passe por necessidades e que precise se alimentar nesse dia, o restaurante universitário tem a obrigação de dar comida gratuita”.

A reforma alimentícia fez parte de um esforço para ensinar aos poderes acadêmicos e políticos sobre o que é “a obrigação social da Universidade”. E mais, o movimento em si foi um componente de um ataque geral contra o conservantismo, e teve um efeito duradouro neste aspecto.

Alguém perguntou de que maneira as comunidades se organizam, e os convidados gregos detalharam sobre o funcionamento dos centros sociais que, entre outros projetos, oferecem muitos cursos gratuitos. Peter explicou que os anarquistas tendem a se organizar em pequenos grupos de afinidade descentralizados. Estes grupos têm suas próprias análises, trabalham em seus próprios projetos e produzem sua própria propaganda e compartilham essas análises nas assembléias populares.

Um estudante perguntou sobre as interações entre os distintos grupos e movimentos. Sissy explicou que “na Grécia não existe campanhas monotemáticas. Não há agendas separadas. Não há grupos separados, por exemplo, unicamente para os imigrantes, embora os imigrantes eles mesmos tenham seus próprios grupos. Existem muitos grupos e cada um tem seu próprio enfoque, sua própria análise e sua própria resolução ao problema. Todos estes grupos lidam com temas ecologistas, do movimento estudantil, da economia, de tudo”.

Talos tentou explicar melhor com um exemplo, “surgiu, por exemplo, um movimento influenciado pelos grupos antifascistas alemães, eles também se autodenominam ‘antifa'”, antifascista. Têm alguma influência moderada e trabalham muito bem batalhando contra os nazistas nas ruas. Mas quando começaram a se mobilizar para manifestações, então todos os anarquistas fizeram uma grande assembléia, e por muito tempo. “Qual opinião temos do movimento antifascista?”. Naquele tempo, a conclusão que os insurrecionalistas gregos chegaram foi a de que “não somos antifascistas. Somos anarquistas, e já que somos anarquistas, lutamos contra o fascismo. Mas não nos identificamos com a identidade distinta de “antifa”. Ou de anti-sexista. Ou de anti-estado. Todas estas já são partes da luta anarquista”.

Quando se inicia um movimento, vários esforços são realizados para abranger a sociedade inteira, não somente as comunidades afetadas. Os gregos dependem mais do papel e do alcance pessoal do que da internet. Isto dá corpo ao movimento, que acontece, “primeiro pela contra-informação, logo pela manifestação, e depois pelo motim. Todos são partes do corpo. Se faltar algumas destas partes, daí perde tudo. Se tiver somente contra-informação e não tiver manifestação, então você não existe no espaço público. Se tem somente manifestação e não tem motim, daí então você não tem poder político, ninguém acredita em você. Este é o corpo insurrecionalista”.

Parte da razão de fazer tantos contatos com as pessoas é “a difusão de nossa visão aos nossos amigos desconhecidos, e estes amigos desconhecidos são as demais pessoas. E os amigos desconhecidos são todas as pessoas que estão esperando secretamente nosso convite, porque todos nossos eventos sempre serão abertos ao público”, disse Sissy.

Ela continuou com algumas observações sobre o movimento estudantil quando Peter interveio, assinalando a luta estudantil em Barcelona. “Nos anos precedentes a tudo isso, a maioria dos anarquistas tinha a atitude de que “a luta estudantil é reformista, e não vamos participar”. Daí não deram muito atenção para ela. Que interessante, pensar que uma luta em si é reformista! Penso que isso demonstra uma carência de imaginação. Objetivos e métodos podem ser reformistas, mas ignorar uma luta inteira, um setor inteiro da população, como reformista, não deu muito certo para eles”.

A presença anarquista dentro das movidas estudantis européias não foi uma dádiva, então, e muito menos uma cultura em particular é mais hospitaleira à militância do que a outra, ele explicou citando a história de expulsão de defensores anarquistas de uma ocupação na Universidade de Barcelona numa manifestação dirigida por partidos reformistas no começo do movimento.

“Muitas pessoas nos Estados Unidos talvez tenham uma propensão para pensar que “Ah, é muito fácil fazer o que eles fazem na Grécia porque eles já têm uma cultura de anti-autoritarianismo, têm uma cultura de apoio à violência contra a polícia”. Espanha, e Barcelona em particular, também tinham culturas políticas de luta. Mas então, dentro da cena estudantil, por muitos anos, os anarquistas não deram atenção a essa cultura, não trabalharam para renovar essas tradições, e durante todo esse tempo, os partidos políticos reformistas promoviam valores reformistas, assim como faziam os administradores escolares, e mesmo o governo, e a reestruturação econômica, e tudo isso. Então, em um período de uma década ou menos, pode-se ver uma mudança cultural muito distinta, de uma população que milita e luta a uma população pacifista. E a mesma coisa poderia se dizer dos Estados Unidos, que de uma maneira geral temos aqui uma política cultural de pacifismo, e quem sabe? Em uma década, isso possa desaparecer.

A disposição dos estudantes anarquistas de exercer uma política anarquista apesar da falta de popularidade de suas idéias acabou servindo para promover sua causa. “Ao mostrar que são completamente diferentes de todos os políticos entre o corpo estudantil, estão efetivamente aumentando sua influência. Porque, no cotidiano, os políticos e as pessoas que utilizam táticas reformistas vão ter todas as vantagens porque o sistema está caminhando contra nós, mas cada pessoa que sente esta injustiça e o tamanho mal que é privatizar a Universidade, cada pessoa que sente isso como uma forma de autoritarismo e como uma forma de exploração, até certo grau se identificará com os que não se comportam como políticos, ou com aquelas pessoas que contra atacam, com os que fazem o que deve ser feito para alcançar a liberdade”.

Uma pergunta pedia informação sobre a influência do pacifismo na Grécia. “Não temos pacifismo na Grécia!”, declarou Tasos.

A perspectiva grega sobre a violência é diferente, explicou Sissy. “Violência é quando os bancos roubam nossas vidas diárias com empréstimos estudantis ou qualquer outro tipo de empréstimo. Devemos ter isto claro em nossas mentes, o que é a violência e o que não é. A violência vem do Estado, e não das pessoas lutando contra toda esta injustiça”.

Também há um entendimento de que a questão da violência não tem a ver com moralidade mas sim com estratégia. “Não fazemos isso porque acreditamos na violência. Quando é o momento de mostrar o máximo poder? O movimento que sabe, não o código moral. Isto é moralismo. Não somos uma religião”.


Outra pergunta foi colocada em relação às perspectivas anarquistas sobre movimentos para defender bens comuns (como a educação pública ou proteção para trabalhadores) que, em essência, são auspiciados pelo Estado, particularmente no contexto da caracterização nos meios corporativos de que a mora de crédito do sistema econômico grego resulta da existência de uma rede generosa de proteção social.

“Os governadores roubaram o dinheiro, sabia?”, respondeu Tasos. “E também roubaram nossas vidas. Lutamos por nossas vidas. E também, é uma mentira acreditar que os serviços públicos ou a que a saúde pública gratuita agrava a economia, porque o que é a economia? Como que se conta? O que contamos é a medida de nossa felicidade. E não estamos nada contentes. Estamos raivosos, você sabe, mesmo tendo saúde pública gratuita e educação pública gratuita. Agora imaginem o quão enojada está a sociedade norte-americana! Digo, por dentro. Embora não compreenda ou não acredite que necessite de saúde pública gratuita para todos. Iremos colocar em vigor a educação pública gratuita para todos. Ninguém pode provar à sociedade o porquê de termos saúde gratuita e a economia ir mal”. Ele continuou: “O que é a economia? Eles contam seu próprio dinheiro. Não nos importamos com os números, não nos importamos com a “crise”. De qualquer forma, a Grécia está vivendo uma crise social há trinta anos. E agora eles vêm dizer isto sobre o Euro. Não nos importamos! Não lemos os jornais economistas, entende? Não queremos entender a maneira que eles pensam. Bem, entendemos a maneira como eles pensam, mas temos nossa própria mentalidade. Você entende? Nós construímos a nossa própria forma de enxergar a vida social”.

Concluiu: “Os anarquistas querem uma crise muito maior que a crise produzida pelo capitalismo atualmente. Mas que esta seja uma crise cheia de conscientização, e repleta de benefícios sociais, cheia de amor à vida social. Onde as pessoas irão cuidar umas das outras. Isto trará muito benefício para a sociedade, e é esta nossa visão. Como o movimento anarquista vai beneficiar a sociedade? A sociedade já não irá olhar para nós como terroristas, nem como inimigos, nem como gente problemática, porque não somos nada disso. Somos o povo que vai defender a sociedade com toda nossa potência. Esta é a visão para a crise econômica”.

por Rockero

Tradução > Marcelo Yokoi

agência de notícias anarquistas-ana




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