Não, porque se favorecesse a injustiça do amigo tornar-se-ia cúmplice da sua infidelidade ao pacto social; de qualquer maneira, formaria com ele uma liga contra a massa dos sócios. A faculdade de preferência só tem lugar para as coisas que nos são próprias e pessoais, e que não podemos dedicar a todos ao mesmo tempo, como o amor, a estima, a confiança, a intimidade. Assim, num incêndio, um pai deve correr para o seu filho antes de pensar no do vizinho; mas, não sendo o reconhecimento de um direito pessoal e facultativo, um juiz não é senhor de favorecer um em prejuízo do outro.
Esta teoria das sociedades particulares formadas, por assim dizer, concêntricamente por cada um de nós no seio da grande sociedade, dá a chave de todos os problemas que as diversas espécies de deveres sociais podem levantar peIa sua oposição e conflito, problemas que foram o assunto principal das tragédias antigas.
A justiça dos animais é, de qualquer maneira, negativa; exceptuando os casos de defesa dos pequenos, da caça e pilhagem em grupo, da defesa comum, e algumas vezes, de uma assistência particular, ela consiste menos em fazer do que em impedir. O doente que não se pode levantar, o imprudente caído num precipício, não receberão remédios nem alimentos; se não podem por si próprios curar-se e livrar-se de embaraços, a sua vida está em perigo; não os tratarão na cama, não os alimentarão na prisão. A indiferença dos seus semelhantes vem tanto da imbecilidade da inteligência como da pobreza dos seus recursos. De resto as distribuições de proximidade que os homens observam entre si não são desconhecidas dos animais; têm amizades de hábito, de boa vizinhança, de parentesco e de preferências. Em comparação connosco a memória é fraca neles, o sentimento obscuro, a inteligência mais ou menos nua; mas existe a identidade na coisa e quanto a isto a nossa superioridade sobre eles provém inteiramente do nosso entendimento.
É pela extensão da memória e pela penetração do julgamento que sabemos multiplicar e combinar os actos que nos inspira o instinto da sociedade; que aprendemos a tornámos mais eficazes e distribui-los segundo o grau e a excelência dos direitos. Os animais que vivem em sociedade praticam a justiça mas não a conhecem nem raciocinam sobre ela; obedecem ao instinto sem especulação nem filosofia.
O seu eu não sabe juntar o sentimento social à noção de igualdade que não têm, porque essa noção é abstracta. Nós, pelo contrário, partindo do princípio que a sociedade implica igual partilha, podemos entender-nos e combinar as regras dos nossos direitos, pela faculdade de raciocínio; levámos mesmo demasiado longe a nossa faculdade de pensar. Mas, em tudo isso, a consciência desempenha o papel menor; a prova está na ideia do direito, que aparece como um clarão em certos animais de inteligência muito próxima da nossa, parece partir do mesmo nível em alguns selvagens para se elevar à maior altura em Platão e Franklin. Que prossiga o desenvolvimento do sentido moral nos indivíduos e o progresso das leis nas nações e convencer-nos-emos de que a ideia do justo e da perfeição legislativa estão em toda a parte, em razão directa da inteligência. A noçáo do justo, que os filósofos julgaram simples é, pois, verdadeiramente complexa; é fornecido pelo instinto social por um lado e por outro pela ideia de igual mérito; assim, a noção de culpabilidade é dada pelo sentimento da justiça violada e pela ideia de eleição voluntária.
Em resumo, o instinto não é absolutamente nada modificado pelo conhecimento que se lhe junta e os factos de sociedade que até agora observámos são de uma sociabilidade brutal: Sabemos o que é a justiça ou a sociabilidade concebida sob a razão de igualdade; nada temos que nos separe dos animais.
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