sábado, maio 01, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

Hércules vencendo os monstros e punindo os salteadores para a salvação da Grécia, Orfeu instruindo os Pelasgos grosseiros e selvagens, ambos não querendo nada como paga dos seus serviços, eis as mais nobres criações da poesia, eis a mais alta expressão da justiça e da virtude.
As alegrias da devoção são indizíveis.
Se ousasse comparar a sociedade humana à essência das tragédias gregas diria que a falange dos espíritos sublimes e das grandes almas representa a estrofe e que a multidão dos pequenos e humildes é a antiestrofe. Carregados de trabalhos penosos e vulgares todos penosos pelo número e pelo conjunto harmónico das suas funções, estes executam o que os outros imaginam. Guiados por eles nada lhes devem: no entanto, admiram-nos e dedicam-ihes aplausos e elogios.
O reconhecimento tem as suas adorações e os seus entusiasmos.
Mas, a igualdade agrada ao meu coração. A generalidade degenera em tirania, a admiração em servilismo: a amizade é filha da igualdade. Oh, meus amigos que eu viva no meio de vós sem emulação ou glória que a igualdade nos junte, que a sorte destine os nossos lugares. Que morra antes de conhecer aquele que no meio de vós eu mais deva estimar.
A amizade é preciosa ao coração dos filhos dos homens.
A generosidade, o reconhecimento (entendo aqui somente o que nasce da admiração por uma potência superior) e a amizade são três variantes distintas de um sentimento único a que chamarei equidade ou proporcionaíldade social (1). A equidade não modifico, a justiça: mas, tomando sempre a equidade por base acrescenta-lhe a estima e forma assim no homem um terceiro grau de sociabilidade. Pela equidade, é para nós um dever e uma volúpia ajudar o fraco que de nós necessita e fazê-lo nosso igual;
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(1) Entendo aqui por equidade o que os latinos chamavam humanitas, quer dizer, a espécie de sociabilidade que é própria do homem. A humanidade, doce e afável para com todos, sem injuriar, sabe distinguir as classes, as virtudes e as capacidades: é a justiça distributiva da simpatia social e do amor universal.
pagar ao forte um justo tributo de reconhecirrento e honra, sem nos fazermos seu escravo; amar o nosso próximo, o nosso amigo, o nosso igual, pelo que dele recebemos, mesmo que a título de troca. A equidade é a sociabilidade elevada até ao ideal pela razão e pela justiça; o seu carácter mais vulgar é a urbanidade ou a delicadeza que, nalguns povos, resume por si só quase todos os deveres de sociedade.
Ora esse sentimento é desconhecido dos animais que amam, se unem e mostram algumas proferências mas que não compreendem a estima e nos quais não se nota generosidade, nem admiração, nem cerimonial.
Esse sentimento não vem da inteligência que por si própria calcula, sopesa, nivela mas não ama; que vã e não sente. Como a justiça é um produto misto do instinto social e da reflexão, assim a equidade é um produto misto da justiça e do gosto, quero dizer, da nossa faculdade de apreciar e idealizar.
Este produto, terceiro e último grau da sociabilidade no homem, é determinado pelo nosso modo de associação composta, na qual a desigualdade, ou para melhor dizer, a divergência das faculdades e a especialidade das funções, tendendo por si própria a isolar os trabalhadores, exigia um aumento de energia na sociabilidade.
Eis porque, a força que oprime protegendo é execrável; a ignorância imbecil que vê com o mesmo olhar as maravilhas da arte e os produtos da indústria mais grosseira inspira um desprezo indizível; a mediocridade orgulhosa que triunfa dizendo: Paguei-te, nada te devo, é soberanamente odiosa.
Sociabilidade, justiça, equidade, tal é, no seu triplo grau, a definição exacta da faculdade instintiva que nos faz procurar o comércio dos nossos semelhantes e de que o modo físico de manifestação se explica pela formula: lgualdade nos produtos da natureza e do trabalho.
Esses três graus de sociabilidade sustentam-se e supõem-se: a equidade não existe sem a justiça; a sociedade sem a justiça é um contrasenso. Com efeito, se para recompensar o talento, tomar o produto de um para o dar a outro, despojando injustamente o primeiro, não presto ao seu talento a estima que devo: se numa sociedade destinar a mim uma parte maior que ao meu associado, não estamos verdadeiramente associados.

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