não chegam tantos exemplos famosos para mostrar bem que sorte espera as nações modernas se o povo, se a França, fazendo ouvir a sua voz potente, não proclamar, com gritos de reprovação, a abolição do regime proprietário?
Aqui, deveria acabar a minha tarefa: peço justiça: a execução da sentença não me diz respeito. Se, para prolongar de alguns anos um gozo ilegítimo, se alegasse que não basta demonstrar a igualdade, que é preciso ainda organizá-ia, sobretudo estabelecê-la, estaria no direito de responder: O cuidado do oprimido passa adiante dos embaraços dos ministros; a igualdade das condições é uma lei primordial, da qual derivam a economia política e a jurisprudência. O direito ao trabalho e a igual participação nos bens não pode ceder perante as ansiedades do poder: não cabe ao proletário conciliar as contradições dos códigos, ainda menos sofrer os erros do governo; pelo contrário, é o poder civil e administrativo que deve reformar-se, baseado no princípio de igualdade política. O mal conhecido deve ser condenado e eliminado: o legislador não pode alegar a excepção da sua ignorância da ordem a estabelecer em favor da iniquidade patente. Não se temporiza com a restituição. Justiça, justiça; reconhecimento do direito; reabilitação do proletário: depois disso, juizes e cônsules, avisareis a polícia e providenciareis sobre o governo da República.
De resto, não penso que um só dos meus leitores me censure por saber destruir e não saber edificar. Demonstrando o princípio da igualdade pus a primeira pedra do edifício social; fiz mais, dei o exemplo do caminho a seguir para a solução dos problemas de política e legislação. Quanto à própria ciência declaro que apenas conheço o princípio e não sei de ninguém que hoje possa gabar-se de ter avançado mais. Muita gente apregoa: Vinde a mim e ensinar-vos-ei a verdade: essas pessoas tomam a sua opinião íntima e a sua convicção ardente pela verdade: geralmente, apenas se enganam em toda a verdade. A ciência da sociedade, como todas as ciências humanas, ficará para sempre inacabada: a profundeza e variedade das questões que engloba são infinitas. Estamos apenas no ABC dessa ciência: a prova é que ainda não passámos o período dos sistemas e que não deixamos de colocar a autoridade das maiorias deiiberantes em lugar dos factos. Certa sociedade gramatical decidia as questões de linguística pela pluralidade dos sufrágios; os debates das nossas câmaras seriam ainda mais ridículos se os resultados não fossem tão funestos.
Na época em que vivemos a tarefa do verdadeiro publicista é impôr silêncio aos inventores e charlatões e habituar o público a pagar nas demonstrações, não símbolos e programas. Antes de discorrer sobre a ciência é preciso determinar-lhe o objecto, encontrar o método e o princípio: é preciso desembaraçar o lugar dos preconceitos que a atravancam. Esta deve ser a missão do século XIX.
Por mim fiz o sermão, serei fiei à minha obra de demolição, não deixarei de perseguir a verdade através das ruínas e escombros. Odeio o trabalho meio executado e podem acreditá-lo sem que tenha necessidade de avisar, que se ousei pôr a mão sobre a arca santa, não me contentarei por ter feito saltar a tampa. É preciso que os mistérios do santuário da iniquidade sejam descobertos, as tábuas da velha aliança quebradas e todos os objectos do antigo culto deitados aos porcos. Foi-nos dada uma carta, resumo de toda a ciência política, símbolo de vinte legislaturas; foi escrito um código, orgulho de um conquistador, sumário da sabedoria antiga: pois bem! dessa carta e desse código não ficará artigo sobre artigo; os doutos podem tomar o seu partido desde já e preparar-se para uma reconstrução.
Impondo, entretanto, o erro destruido, necessáriamente uma verdade contrária, não terminarei esta memória sem ter resolvido o primeiro problema da ciência política, e que hoje preocupa todas as inteligências:
Abolida a propriedade qual será a forma da sociedade? Será a comunidade?
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