sexta-feira, junho 25, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

CAPÍTULO IV

Transacções entre os Princípios: Origem das Contradições da Política

Visto que os dois princípios sobre os quais repousa toda a ordem so¬cial, a Autoridade e a Liberdade, por um lado são contrários um ao outro e perpetuamente em luta, e que por outro lado não podem nem anular¬ se nem fundir¬ se, uma transacção entre eles torna¬ se inevitável. Qualquer que seja o sistema preferido, monarquia ou democracia, comu¬nismo ou anarquia, a instituição não pode sustentar¬ se de pé algum tempo, se não tiver sabido apoiar¬ se, numa proporção mais ou menos con¬si¬derável, sobre as bases do seu antagonista.
Por exemplo, enganar¬ nos¬ íamos redondamente se imaginássemos que o regime de autoridade, com o seu carácter paternal, os seus costumes de família, a sua iniciativa absoluta, pudesse suprir, pela sua energia exclusi¬vamente, às suas próprias necessidades. Por pouco que o Estado ganhe extensão, aquela paternalidade venerável degenera rapidamente em inca¬pacidade, confusão, contra–senso e tirania. O príncipe é incapaz de aten¬der a tudo; tem de recorrer a agentes que o enganam, o roubam, o desa¬creditam, o perdem para a opinião, o suplantam e por fim o destronam. Esta desordem inerente ao poder absoluto, a desmoralização que daí re¬sulta, as catástrofes que o ameaçam sem cessar, são a peste das socieda¬des e dos Estados. Também se pode colocar como regra que o governo monárquico é tanto mais benigno, moral, justo, suportável e à partida du¬rá¬vel, (neste momento abstraio das relações exteriores), quanto as suas dimensões são mais modestas e se aproximam mais da família; e vice¬ versa, que este mesmo governo será tanto mais insuficiente, opres¬sivo, odioso aos seus súbditos e consequentemente instável, quanto o Esta¬do se tiver tornado mais vasto. A história conservou a lembrança, e os séculos modernos forneceram os exemplos destas assustadoras monar¬quias, monstros informes, verdadeiros mastodontes políticos, que uma melhor civilização deve progressivamente fazer desaparecer. Entre todos esses Estados, o absolutismo está em razão directa das massas, subsiste pelo seu próprio prestígio, ao contrário num pequeno Estado, a tirania não pode aguentar¬ se um momento senão por meio de tropas mercenárias; vista de perto, ela esvai¬ se.
Para obviar a esse vício da sua natureza, os governos monárquicos fo¬ram conduzidos a aplicar, numa medida mais ou menos larga, as formas de liberdade, em especial a separação de poderes ou a partilha da sobera¬nia.
A razão desta modificação é fácil de compreender. Se um homem só tem dificuldade em ser suficiente para a exploração de um domínio de cem hectares, de uma manufactura que ocupa algumas centenas de operários, para a administração de uma comuna de cinco a seis mil habitantes, como levaria ele o fardo de um império de quarenta milhões de homens? Aqui portanto a monarquia teve de se inclinar diante do duplo princípio, empres¬tado da economia política: 1º que a maior soma de trabalho é fornecida e o maior valor produzido, quando o trabalhador é livre e age por sua conta como empreiteiro e proprietário, 2º que a qualidade do pro¬duto ou serviço é tanto melhor quanto o produtor conhece melhor a sua parte e a ela se consagra exclusivamente. Há ainda uma outra razão para este empréstimo feito pela monarquia à democracia, é que a riqueza social aumenta propor¬cionalmente à divisão e à interacção das indústrias, o que significa, em política, que o governo será tanto melhor e oferecerá menos perigo para o príncipe, quanto as funções forem mais distintas e equilibra¬das: coisa impos¬sível num regime absolutista. Eis como os príncipes fo¬ram levados a republicanizar¬ se, por assim dizer, a fim de escaparem a uma ruína inevitável: os últimos anos nos deram disso exemplos flagran¬tes, no Pie¬monte, na Áustria e na Rússia. Na situação deplorável em que o czar Nicolau tinha deixado o seu império, a introdução da distinção de poderes no governo russo não foi a menor das reformas empreendidas pelo seu filho Alexandre 18.

18 Foi da necessidade de separar os poderes e de distribuir a autoridade que nasceu, em parte, depois de Carlos Magno, o feudalismo. Daí também esse falso ar de federa¬lismo que ele reveste, para infelicidade dos povos e do Império. A Alemanha conser¬vada no status quo duma constituição absurda, ainda agora se ressente desses gran¬des dilaceramentos. O Império dividiu-se e comprometeu-se a nacionalidade.

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