Trata¬ se de saber se a sociedade pode chegar a algo de normal, de equitativo e de fixo, que satisfaça a razão e a consciência, ou se nós esta¬mos condenados eternamente a esta roda de Ixionp). O problema será insolúvel?... Mais um pouco de paciência, leitor; e se vos fizer sair de seguida do imbróglio, tereis o direito de dizer que a lógica é falsa, o pro¬gresso uma burla, e a liberdade uma utopia. Condescendam somente em raciocinar comigo mais alguns minutos, mesmo que raciocinar sobre seme¬lhante assunto seja expor¬ se a enganar¬ se a si próprio e a perder o esforço com a sua razão.
1. Notareis, desde logo, que os dois princípios, a Autoridade e a Liber¬dade, de que vem todo o mal, se mostram na história em sucessão lógica e cronológica. A Autoridade, como a família, como o pai, genitorq), aparece primeiro: ela tem a iniciativa, é a afirmação. A Liberdade racional vem depois: é a crítica, o protesto, a determinação. O facto desta sucessão resulta da própria definição das ideias e da natureza das coisas, e toda a história dá testemunho disso. Aí, não há inversão possível, não há o míni¬mo vestígio de arbítrio.
2. Uma outra observação não menos importante, é que o regime autori¬tário, paternal e monárquico, se afasta tanto mais do seu ideal, quanto a família, tribo ou cidade se torna mais numerosa e o Estado cresce em população e em território: de maneira que quanto mais a autoridade se extende, mais se torna intolerável. Daí as concessões que ela é obrigada a fazer à liberdade. – Inversamente, o regime de liberdade aproxima¬ se tanto mais do seu ideal e multiplica as suas condições de sucesso, quanto o Estado aumenta em população e em extensão, as relações se multiplicam e que a ciência ganha terreno. De início é uma constituição que todos recla¬mam; mais tarde será a descentralização. Esperem um pouco, e vereis surgir a ideia de federação. De modo que se pode dizer da Liberdade e da Autoridade o que João Baptista dizia dele e de Jesus: Illam oportet crescere, hanc autem minuir).
Este duplo movimento, um de retrocesso, o outro de progresso, e que se funde num fenómeno único, resulta igualmente da definição dos princípios, da sua posição relativa e dos seus papéis: aqui ainda não é possível qual¬quer equívoco, não há o mínimo lugar ao arbitrário. O facto é de uma evidência objectiva e de certeza matemática; é o que chamaremos uma LEI.
3. A consequência desta lei, que podemos dizer necessária, é ela mesma necessária: é que sendo o princípio de autoridade o primeiro a aparecer, ser¬vindo de matéria ou de assunto para a elaboração da Liberdade, da razão e do direito é pouco a pouco subordinado pelo princípio jurídico, raciona¬lista e liberal; o chefe de Estado, inicialmente inviolável, irrespon¬sável, absoluto, como o pai na família, torna¬ se sujeito da razão, primeiro súb¬dito da lei, finalmente simples agente, instrumento ou servidor da própria Liberdade.
p)Ixion – Herói Tessálico, rei dos Lápitas. Casou com Dia, filha do rei Dejoneu, morto por Ixion depois do casamento. Tornou-se assim culpado de um crime terrível, de que só Zeus se apiedou. Mas, uma vez purificado, tentou violar Hera e Zeus formou uma núvem à imagem da deusa, nascendo dessa união Centauro, pai dos Centauros. Zeus castigou Ixion, condenando-o a girar eternamente no Tártaro, atado a uma roda inflamada. (N.T.)
q) Em latim, no original. Aquele que gera; o pai. (N.T.)
r)Em latim, no original. É necessário que aquela cresça, e que, porém, esta diminua. (N.T.)
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